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Domingo,29 de Dezembro

Vazio

Jornal O Norte
Publicado em 02/08/2010 às 10:38.Atualizado em 15/11/2021 às 06:34.

Nina Rocha Campo


www.torradastostadas.com



Naquela semana, a adorável gatinha foi embora. E depois disso, o telefone não tocou de manhã desejando um bom dia e nem as vinte pras dez, onde uma voz desconhecida avisava que alguém queria me dizer algo. Dizia sempre a mesma coisa, mas nunca soava exaustivo. Nunca.



Não chegaram mais mensagens com letras de músicas ou de pequenos poemas concebidos na hora. A caixa do correio permaneceu vazia. Não havia mais a quem emprestar livros novos já grifados ou roubar aqueles que já exalavam os sentimentos das décadas passadas.



Ninguém debocharia dos socialites que suplicavam comida nos restaurantes dos shoppings da cidade, e ninguém comentaria a superficialidade presente nas relações profundas como um pires. Os cafés já não têm o mesmo gosto. Acompanhados por chantilly ou um biscoito banhado de chocolate. Perdeu o doce, por mais amargo que fosse.



As voltas na praça, cheias de conhecidos e sorrisos… Vazias. Já não há quem comente de sua beleza, de sua autenticidade e dê umas boas broncas pela inútil tristeza por acontecimentos meramente insignificantes.



Os filmes perderam o tom. O mundo tornou-se mais azul. Perdeu uma estrela. Nas fugas, não haverá mais quem escute Chico ou cante Dylan totalmente errado. Não há mais quem salve das aulas chatas, com um atestado ou com uma simples desculpa de querer ver.



Os planos mirabolantes de viagens malucas, o sorvete de manga, as flores compradas no mercado enquanto esperava pacientemente a cerveja terminar no boteco no segundo andar. Traga uma garrafa de coca-cola, uma barra de chocolate… Mas não deixe de vir me ver. Com esse olhar. Com essa felicidade. Com a promessa que tudo ficará bem.



Me restam uns versos. E um amor incondicional. Quem pagará o enterro e as flores, se um dia eu morrer de amores? Pago com algumas lágrimas e várias lembranças. Todas maravilhosas. Tenho certeza de que ele riria de alguém sofrendo tanto por um velho gordo que conta tantas piadas sem graça…



Há uma dor, um vazio incalculável. Uma grande parte de mim se foi. Mas a outra - aquela que foi sempre sua -, vai continuar mais viva do que nunca, em cada música sussurrada no som do carro, e nos muitos textos que ainda virão, mas agora, sem o seu choro de orgulho (ou de vergonha!) em cada vírgula, pois nunca haverá um ponto final. E se precisar de tempo, que venha.



Mas onde quer que tenha ido, tenho certeza: sua pança de chopp chegou primeiro, junto com um abraço, bem apertado, daqueles do fim da tarde.



Pai. Papai. Paizinho. Gordão.



E que venha o tempo.

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