*Por Manoel Hygino
É de causar tristeza ou revolta o que acontece com países latino-americanos, entre os quais a Venezuela, em termos de governo. Ou desgoverno. Não é fato novo, pois o fenômeno é quase tão antigo como a própria existência deles todos após a independência precária, incompleta, fictícia. E estamos no Novo Mundo. Se bem que o Velho não é tão exemplar como deveria.
A situação não é confortável para o Brasil que, por definição político-ideológica, apoia o vizinho do Norte, construído sobre um imenso manancial de petróleo, riqueza que não tem sabido aproveitar em benefício do povo. Sem explicar a frustração, Caracas vê demônios por todos os lados e não sabe como escapar à desventura.
Naquele país de coronéis militares, as coisas não propiciam bons resultados. Mas o Brasil está comprometido com o chavismo, mesmo depois da morte de Chávez, há um ano. Temos de torcer por uma saída correta, limpa e honesta, para que não tenhamos de pagar a elevada conta e o compromisso com Caracas, cujo ingresso no Mercosul, patrocinamos.
Sofre o povo, reúne-se em praça pública, grita, esperneia, carrega faixas e cartazes, mas a situação não evolui favoravelmente. Com um presidente imaturo, faltam alimentos, produtos elementares de uso, medicamentos, as panelas estão vazias, não há leite, farinha, açúcar e papel higiênico, enquanto um líder radical anuncia “tomar em paz” a capital. Como, se já há mortes, feridos e prisões?
Vale lembrar o próprio Simón Bolívar: “Este país cairá, infalivelmente, nas mãos da multidão desesperada, para depois passar ao controle de tiranetes de todas as cores e raças”. Mas o ditador Marcos Pérez Jimenez, que não é de tempos remotos, meados do século passado, afirmava: “Meu país ainda não está preparado para a democracia”.
Sabia o que dizia: em quase dez anos de poder, Jiménez amealhou uma fortuna avaliada em 250 milhões de dólares, de acordo com registros da Justiça venezuelana. Foi mais um coronel a usurpar o poder e dele auferir altíssimas vantagens. Retornou à pátria, ficou detido por pouco tempo, conseguiu exílio na Espanha, perecendo de ataque cardíaco, aos 87 anos, na Espanha.
Chávez se somou ao elevado número de ditadores e jamais ocultou o propósito de perpetuar-se no poder, mesmo depois de morto. Sua ação foi uma sucessão de erros grosseiros e desastrosos, pelos quais paga o povo. A opção pelo totalitarismo, a estatização da infraestrutura, a escassez de energia elétrica e de água, o controle artificial de preços, a redução da produção levaram à falta de alimentos básicos, a expropriação de centenas de propriedades rurais. Ovos, frutas e alface são agora importadas da Colômbia, quando se consegue, porque os importadores não merecem crédito.
A grande farsa se manteve por todos os anos mais recentes, quando a imprensa foi cerceada. Tirou-se do ar a tevê mais sintonizada e 34 emissoras de rádio foram sumariamente fechadas. O tempo de banho foi limitado, aconselhando-se usar lanternas para não se acender a luz nas residências.
E a Venezuela é dona da quinta maior reserva petrolífera do planeta. Mario Vargas Llosa perguntou: “Como é possível que a Venezuela, um dos países mais afortunados da Terra, tenha sido incapaz, em todas as décadas de bonança petroleira, de garantir seu futuro, e agora compartilha a insegurança e o naufrágio dos países latino-americanos pobres?”.