Um leite muito especial

Jornal O Norte
Publicado em 04/02/2013 às 19:37.Atualizado em 15/11/2021 às 16:57.

Nem só de inconfidentes é feito Minas Gerais. A Semana da Arte de São Paulo, em 1922, foi importante, abriu caminhos novos, até perigosos para os despreparados, para as letras. Os montanheses veem longe e não andam atrás da carruagem, embora haja aquela brincadeira de comprar bondes.



A constatação é perfeitamente aceitável e se comprova com a reedição do “leite criôlo”, lançado em 3 de dezembro na Academia Mineira de Letras, a que lamentavelmente a população não deu o interesse merecido. A iniciativa do Instituto Cultural Amílcar Martins, ao relançar depois de mais de 80 anos a publicação, serve para na prática demonstrar o que se afirma no 1º parágrafo acima.



Minas não parou no tempo. Quando, em 13 de maio de 1929, circulou o “leite criôlo”, tornava-se explícito que os intelectuais deste Estado, seus escritores, poetas ou prosadores, ainda se moviam por ideais e princípios de liberdade e igualdade, historicamente defendidos desde a



Inconfidência, mesmo antes. A edição em 13 de maio não era mera coincidência. Tinha o objetivo de alertar para o problema do negro no Brasil, não resolvido 40 anos depois, a despeito da lei áurea dos sentimentos da princesa Isabel. Não se tratava, destarte, de ação meramente artística ou literária. Constituía a “primeira publicação modernista a colocar o negro no centro de suas preocupações”, o que é relevante dizer agora, quando o problema do homem de cor ainda não está suficientemente resolvido, embora muito aproveitado para fins diversos, inclusive políticos.



“Leite criôlo” foi dirigido por três figuras maiores das letras de Minas àquela época: João Dornas Filho, Guilhermino César e Aquiles Vivacqua, jovens de grande talento e que costumavam reunir-se na casa dos Vivacquas na rua Gonçalves Dias. A família se transferira do Espírito Santo para que o poeta Aquiles tratasse de problemas pulmonares. Na primeira página do suplemento, os seus diretores justificam-no. Guilhermino César lembrava que, de uma feita, “um sujeito chamado Richet gritou na França que o negro só presta pra duas coisas no mundo: “fabricar” uréa e gaz carbônico. Ao brasileiro ele deu mais do que isso”. Aquiles evoca o passado, com o colonizador correndo à África, à busca de escravos: “Negros em pencas chegando. Negociação. Estigma que perdura no caráter da nacionalidade. Vamos mudar de marca. Vamos?”



O Instituto Amílcar Martins presta um excelente serviço com o “leite criôlo”. Amílcar Martins merece elogio pela edição primorosa, com 153 páginas.



Manoel Hygino - escreve no jornal Hoje em Dia

Compartilhar
Logotipo O NorteLogotipo O Norte
E-MAIL:jornalismo@onorte.net
ENDEREÇO:Rua Justino CâmaraCentro - Montes Claros - MGCEP: 39400-010
O Norte© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por