Trote universitário: um ritual questionado: essa prática secular é uma tradição ou já se tornou um abuso?

Jornal O Norte
07/10/2005 às 10:41.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:52

 

Tatiane Amorim

 

Todo início de ano ou semestre letivo é a mesma coisa: os alunos veteranos aplicam trotes nos novatos. Mas será que essa forma de “boas vindas” é válida? Pesquisadores apontam que, embora esse ritual seja uma maneira de integrar os calouros ao clima da faculdade, existem contínuas ameaças de violência presentes na recepção dos calouros.




Segundo pesquisa realizada pela a acadêmica do curso de História das Faculdades Unidas do Norte de Minas (FUNORTE), Rosiene Gomes, o trote é uma tradição antiga, os primeiros registros datam do século XIV, na Europa, quando houve a criação das primeiras universidades. Os calouros eram colocados em pequenas salas, que antecediam o local onde eram ministradas as aulas, os chamados vestíbulos (mesma origem da palavra “vestibular”).




Nestes locais, os novatos tinham seus cabelos raspados como uma medida preventiva tomada pela universidade, pois havia necessidade de se conter a propagação de determinadas pragas, como o piolho. Além disso, havia ainda a "dominação" dos estudantes veteranos, que submetiam os calouros a práticas humilhantes.




Porém, os veteranos de hoje continuam “pegando pesado” com os novos alunos, gerando até situações de risco. Então, será que o trote ainda é uma tradição ou já virou um abuso? Embora existam diversas iniciativas de caráter social, a ameaça de violência continua presente na recepção dos calouros.




Após meses de estudo e várias noites de sono perdidas pelo vestibular, enfim chega a hora de começar as aulas na universidade. Essa mudança, porém, nem sempre é tranqüila para todos. Uma das primeiras preocupações dos calouros é com a recepção que terão: o trote. Muitos ainda temem as tradicionais brincadeiras e, em especial, o uso da violência.




Nos últimos anos, muitas Instituições de Ensino Superior têm lutado para mudar a imagem do trote, incentivando ações solidárias que, de fato, servem para integrar os recém-chegados.




Juntamente com os trotes violentos nascem, nas próprias universidades, as iniciativas para coibi-los. De acordo com as pesquisas feitas pela historiadora Rosiene Gomes, a primeira associação voltada especificamente para a formação de políticas contra o trote surgiu em meados do século XV. Mas no Brasil, os responsáveis pela nova política seriam os portugueses, já no século XIX, quando foram criados os primeiros cursos superiores. 




As mudanças no perfil do trote, porém, são recentes. Até meados da década de 1990, o uso de violência na recepção dos calouros era o comportamento padrão dos veteranos. Só depois de uma tragédia de repercussão nacional, envolvendo veteranos e calouros, que algo começou a mudar na consciência dos alunos.




O fato aconteceu em fevereiro de 1999, quando o calouro de medicina da Universidade de São Paulo (USP), Edison Hsueh, foi encontrado morto na piscina da Associação Atlética Oswaldo Cruz – um dia após o trote nas dependências da Faculdade de Medicina. A partir deste incidente, grande parte das universidades do país passou a coibir o trote violento, incentivando as ações solidárias. Na maioria delas, foram criadas regras para punir atitudes agressivas dos veteranos.




Nas Faculdades Unidas do Norte de Minas (FUNORTE), o trote não é autorizado. Segundo a professora Lígia Cristina Abranches, coordenadora do Núcleo de Apoio ao Estudante (NAE), um trabalho de conscientização é feito com os acadêmicos, que são orientados a promoverem gincanas, denominadas pelos veteranos de “trote solidário” – atividades que têm como objetivo acolher os calouros, promover o relacionamento interpessoal e receber doações para instituições carentes (participação do curso de Serviço Social). “Este ano, por exemplo, o curso de Educação Física liderou esta atividade, objetivando consolidar laços de amizade entre calouros e veteranos”, conta Lígia Cristina.




Porém, o posicionamento das Universidades ainda é insuficiente para resolver o problema. Embora a maioria das instituições tenha ferramentas para colocar em prática as medidas disciplinares, poucas são as que o fazem. Dessa forma, as chamadas "brincadeiras" - pichação, corte de cabelo, obrigar o aluno a pedir dinheiro no sinal de trânsito etc, não são efetivamente penalizadas. Cortar o cabelo, que todos chamam de brincadeira, é o começo de uma violência maior, já que na maioria das vezes, o ato não é aceito pelo calouro, que é sujeitado a uma situação de constrangimento e obrigação.




Segundo Daniel Azevedo, acadêmico do curso de Medicina da Unimontes (Universidade Estadual de Montes Claros), “o trote nunca começa pela morte de um aluno. Podemos nos questionar sobre que tipo de médico vai ser um sujeito que está acostumado a humilhar o outro, a satirizar aspectos físicos e preconceituosos? Que tipo de responsabilidade social tem alguém com esse perfil? É necessário encontrar uma alternativa pacífica para a recepção dos novos alunos nas instituições de ensino superior. É possível fazer com que os calouros sejam bem recepcionados na universidade. Novas tradições podem ser criadas, mas não pautadas na violência física e simbólica”, conclui o estudante.




Este texto faz parte da página produzida pelos acadêmicos do curso de Jornalismo do CRECIH/Funorte - Editores: Ana Gabriela Ribeiro e Elpidio Rocha - Coordenador do curso: Aílton Rocha - Coordenadora de produção: Tatiana Murta





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