Tropas sertanejas - por Dário Teixeira Cotrim

Jornal O Norte
Publicado em 14/06/2007 às 11:07.Atualizado em 15/11/2021 às 08:06.

Dário Teixeira Cotrim *


 


Em matéria de jornal “Caminho de tropeiros vira atração turística” do jornalista Girleno Alencar, nós encontramos uma interessante abordagem sobre os Caminhos Reais do Norte de Minas, entre a cidade de Diamantina e de Porto Seguro, na Bahia. Sem dúvida que este caminho existiu e foi ele o primeiro a ser utilizado pelos colonizadores da expedição de Spinoza e Navarro, já no ano de 1553. Entretanto, entende-se por Caminho Real, num primeiro momento, aquele que levava a produção do ouro para a capital da província, que inicialmente fora a cidade de São Salvador, fundada por Tomé de Souza, em 1549 e, depois, antes mesmo da vinda da família real para o Brasil, a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Entretanto o porto-marítimo utilizado pelos portugueses ficava na vila de Parati. Eram, pois, esses dois portos-marítimos de onde poderia o ouro ser embarcado para Portugal, legalmente.



Da vila de Tijuco (Diamantina) a riqueza seguia o caminho do Rio de Janeiro, passando pela vila de Ouro Preto e daí o seu destino final, o porto de Parati, no Rio de Janeiro. Por algum tempo foi utilizado o Caminho da Bahia, ou seja, o Caminho Novo. Esse era o principal caminho entre a capital da província da Bahia com o interior de Minas Gerais.



Da Chapada Diamantina essa riqueza seguia para a capital da província baiana. Entretanto a ligação da vila do Tijuco para as minas da Chapada Diamantina seguiu o caminho do sertão, mas não era estrada oficial para a passagem do ouro, e sim para as tropas sertanejas. As tropas sertanejas saiam de Diamantina para Grão Mogol, passando pela fazenda do Brejo Grande (de Antônio Gonçalves Figueira), atravessando o rio Peixe Bravo no rumo norte até Serra Nova, daí para a fazenda de São Romão do Capitão Mor Salvador Cardoso de Sá. (esta informação consta do livro Bandeiras e Sertanistas Baianos, de Urbino Viana).



A fazenda de São Romão foi o mais importante ponto de descanso das tropas sertanejas. Ali era também considerado um posto de fiscalização. O Capitão Mor Salvador Cardoso de Sá seria funcionário Real, portanto um fiscal autorizado para a cobrança dos impostos para a Coroa Portuguesa, caso encontrasse algum carregamento de ouro naquelas paragens para a cidade de São Salvador. (informações do cônego Newton Caetano de Angelis, no seu livro Efemérides Rio Pardenses). As caravanas seguiam viagem pela Passagem da Areia até a vila de Caetité. Dali bifurcava a estrada em duas vertentes: a primeira pela direita procurando o rio Gavião e depois o Rio das Contas, já na fusão com o rio Brumado, para depois atingir as antigas vilas de Cachoeira e de São Felix e, finalmente à cidade de São Salvador. A outra estrada, passava na vila Nova do Príncipe e Santana de Caetité até o antigo pouso de Tranqueira, em Livramento de Nossa Senhora (citado por Antonil em 1711) e depois Minas Novas Rio de Contas (no alto da Chapada Diamantina). Era, no entanto, a vila de Lençóis o mais movimentado lugar da Chapada Diamantina. Dali seguia o ouro com destino a capital da província baiana, passando pelo pouso de João Amaro, nas margens do rio Paraguaçu.



A estrada de Grão Mogol até a Bahia ficou conhecida pelo nome de Caminho Novo, uma empreitada da Coroa portuguesa que teve serviços prestados pelo sertanejo Antônio Gonçalves Figueira, ele que era morador da fazenda Brejo Grande, na região de Vacarias.



“Entre a borda esquerda do Peixe Bravo, por onde passa a velha e tradicional estrada de Rio Pardo a Grão Mogol a subida é um pouco íngreme e pedregulhenta; a vegetação é rasteira, e o tabuleiro das mangabas saborosas, a serra ferzida e voraginosa do Curral das Pedras, precinto dos diamantes claros e bonitos, o campo dos pequizeiros e o vale das areias brancas entre o Pé da Ladeira e o Riacho da Cruz, correndo num leito de pedras lindas à sombra dos jatobaseiros seculares...” (Antonino José das Neves)



A estrada para a vila de Porto Seguro eram proibidos de trafegarem por ali os condutores de ouro. A propósito, o Governo Geral do Brasil criou a província do Espírito Santo com o objetivo de inibir a passagem do ouro por aquelas bandas. O território aurífero não podia ter contato com o “mar” a não ser por Salvador ou pela vila de Parati, no Rio de Janeiro. Além do mais os índios que viviam naquelas bandas do território brasileiro, (os tupinambás e pataxó, na serra dos Aimorés e os tamoios até a foz do rio Reritiba, onde situa a atual cidade de Anchieta) eram muitos ferozes, os que afugentavam os mercadores de passarem por aquela inóspita região.



A “Estrada do São Francisco”, que era usada para a entrada do gado nas Minas Gerais, foi elabora por uma ação voluntária dos criadores de gado, que era também chamada de “Estrada do Gado Vacum”. Pode-se dizer que os caminhos da Bahia têm esse nome em virtude de ter sido os baianos os primeiros a penetrarem pelo território de Minas Gerais, criando as fazendas de gado nas margens do Rio São Francisco e também de seus afluentes. O que não concorda o historiador Tarcisio José Martins, pois ele acredita ter sido os paulistas os primeiros que penetrarem o território das minas, isso não obstante sabermos que em Grão Mogol os diamantes foram descobertos pelos baianos originados da Chapada Diamantina.



Faço aqui uma indagação: qual o objetivo das Estradas Reais?



Ora, nas pesquisas que tenho feito a este respeito, fica muito claro que o principal objetivo dessas estradas era o escoamento do ouro-fundido em barras para a capital da província. Por isso podemos dizer que as Estradas Reais serviam de passagem para as tropas sertanejas, mas as estradas das tropas sertanejas nunca eram utilizadas para o escoamento desse ouro, exceto é claro, quando para o tráfico do contrabando do ouro e das pedras preciosas. A distinção das estradas é ponto fundamental para entendermos a sua utilização durante toda a época da colonização do Brasil. Enquanto que as Estradas Reais eram usadas pelos Bandeirantes, com autorização da Coroa portuguesa, pelos outros caminhos transitavam as Entradas, que eram os empreendimentos particulares, porém com esses mesmos objetivos.



As tropas sertanejas conduziam os produtos que eram comercializados nas minas (a carne-seca, o toucinho e o sal etc.), já o ouro era transportado pelos carregamentos reais com escolta dos Dragões Imperiais, e o seu traçado era sempre o mesmo.



A estrada de Diamantina para Porto Seguro, onde os passantes utilizavam-se dos rios Jequitinhonha e Pardo, para facilitar o trajeto até a costa marítima, no meu entender, não era considerada uma “Estrada Real do Norte”, como quer Girleno Alencar. Isso, porque, não era muito recomendado para as tropas sertanejas, que em geral continha para mais de quatro dezenas de animais, utilizarem barcos no transporte desses animais e sem falar das ferocidades dos índios tupinambás que viviam em toda aquela região.



* Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais e de Montes Claros, e das academias de letras de Montes Claros e Guanambi

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