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Domingo,8 de Junho

Terceira imagem, por Anelito de Olveira: Possível e impossível

Jornal O Norte
Publicado em 29/03/2006 às 12:15.Atualizado em 15/11/2021 às 08:32.

Anelito de Olveira *



Esta coluna estréia hoje com um  novo propósito. Não tratará de assuntos relativos apenas a Montes Claros, mas também a outros lugares. Não mais será uma coluna conectada ao projeto de comemoração dos 150 anos da cidade, que, conforme notícia publicada semana passada neste jornal, já não se encontra sob minha responsabilidade. Será uma coluna conectada apenas a um projeto, bastante pessoal e até intransferível, como naquele poema de Torquato: o projeto de voltar a escrever em jornal.



Seu conteúdo será sempre algo supostamente impossível, será sempre um questionamento sobre a razão de algo ser impossível



Sobre o quê, necessariamente, escreverei aqui, não é posssível precisar. Digamos que sobre tudo e, também, sobre nada, sobre o que não se pode definir completamente. Daí o título da coluna agora: “Terceira margem”. Tomado, claro, a Guimarães Rosa, o que, no ano em que se comemora meio século de vida de Grande sertão: veredas, funciona antes de mais nada como uma homenagem ao “fabulista”. Logicamente, a existência de uma terceira margem sendo algo impossível, a coluna já se coloca sob o signo da impossibilidade.



Seu conteúdo será sempre algo supostamente impossível,  será sempre um questionamento sobre a razão de algo ser impossível em qualquer plano da realidade – na família, na religião, na educação, na cultura, na mídia, na política etc etc –, o que, no fim das contas, contribuirá para a compreensão da possibilidade. Por que é possível, por exemplo, um investimento tão grande, da parte do poder público, em políticas de entretenimento - carnaval, futebol, carnamontes etc – e não é possível um investimento considerável em políticas, digamos, de conscientização – educação, cultura etc?



A resposta óbvia continua a mesma: o que os donos do poder público querem é alienar a população. Tão óbvia quanto esta é aquela clássica, atribuída a Karl Marx: a religião é o ópio do povo. Mas o óbvio, claro, nunca é bastante para uma compreensão aguda das coisas, motivo pelo qual políticos e religiosos, para nos limitarmos a este exemplo, não se preocupam em esconder o óbvio, em disfarçá-lo. Logo, é preciso ir além do óbvio. O que leva os donos do poder a possibilitar o entretenimento e impossibilitar a educação é o fato de que uma ação é muito mais fácil de se realizar que a outra, que fazer rir é mais fácil que fazer pensar.



Há muito tempo, pelo menos há uns 40 anos, os donos do poder não parecem preocupados com a consciência das pessoas, se elas vão se conscientizar ou não. Sabem eles, ou apenas intuem acertadamente, algo óbvio para psicanalistas e outros profissionais da mente: não há uma oposição propriamente dita entre consciência e inconsciência, o que revela a arbitrariedade de que se reveste o termo “alienação” no discurso político de esquerda. Alienado, nesse discurso, queria dizer, e ainda o quer, inconsciente, mas o que é a consciência senão um estado de alienação? Para ser consciente de algo é preciso estar inconsciente sobre muitas outras coisas, esquecer outras coisas e concentrar-se apenas numa ou algumas.



- ... uma massa que pode, inclusive, fazer do entretenimento um espaço de desarticulação dos poderes instituídos



Se políticas de entretenimento não produzem alienados, mas sim uma massa consciente sobre o entretenimento, uma massa que pode, inclusive, fazer do entretenimento um espaço de desarticulação dos poderes instituídos, podemos pensar que os donos do poder querem mesmo é evitar problema, que tudo que lhes parece problemático equivale a impossível. Assim, ações educadoras, formadoras, são consideradas, pelos práticos homens investidos de poder no Brasil – nos âmbitos federal, estadual e municipal -, impossíveis, a escola, com seus inúmeros agentes (professores, alunos, funcionários etc)  é impossível.  



A tarefa educadora, aquilo que se faz prioritariamente (mas não só, é claro) na escola, implica processo, que implica, por sua vez, tempo, anos de trabalho. Esta verdade assombra os donos do temporário poder político, que se guiam por um olhar imediatista, que não querem perder tempo. Mais do que para quaisquer outros profissonais, tempo é dinheiro para os profissionais da política, especialmente aqueles que desenvolvem suas atividades longe dos grandes centros, longe dos Carlos Lacerdas e Jânios de Freitas da mídia, menos vulneráveis à propalada lei de responsabilidade fiscal.



Estou tomando como exemplo a educação, mas toda esta reflexão vale para aquela que deve ser considerada, por uma questão de bom senso, uma extensão da política educacional no âmbito da administração pública: a cultura. Também o trabalho nesta área, para que se configure como uma política pública realmente, demanda tempo, implica um processo. Política cultural não pode se confundir com política de entretenimento, mas se confunde na cabeça dos donos do poder. E assim é que, para aludir ao que se passa neste exato momento em Montes Claros, não interessa um projeto que coloca em questão a cidadania. O que interessa, aqui e em outros lugares, é música baiana e muita, muita cerveja. Plenamente possível.



* jornalista e escritor

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