Solução mágica para o desemprego dos jovens - por José Carlos de Assis

Jornal O Norte
Publicado em 06/07/2007 às 10:36.Atualizado em 15/11/2021 às 08:08.

José Carlos de Assis *



Há dois níveis de manipulação da opinião pública pelos meios de comunicação. O primeiro consiste em esconder os problemas reais da vista das pessoas. O segundo, que caracteriza um truque psicológico quando as evidências dos problemas falam por si, consiste em admitir que eles existem, mas que têm uma solução mágica. É nesse segundo nível de manipulação que se encaixa a reportagem do Fantástico sobre o desemprego entre os jovens.



A forma dessa reportagem foi um insulto à inteligência e também ao sentimento das pessoas desempregadas, sobretudo dos jovens. O desemprego juvenil, que representa 46% do desemprego total, foi apresentado como resultado da má preparação dos jovens para o mercado de trabalho. Se forem persistentes, se fizerem uma bateria de cursos, se se qualificarem, os jovens certamente realizarão seu sonho de conseguir emprego. É esta a mensagem subliminar da reportagem, seu sentido mágico.



Reportagem? Não é um nome adequado ao que foi ao ar. Reportagem é feita por um repórter, que tem a responsabilidade de questionar, revolver estatísticas, apresentar lados opostos de uma mesma questão. No caso, entregaram a tarefa à lindíssima Fernanda Lima, uma estrela encantadora de televisão, a que provavelmente se apresentou pela primeira vez a oportunidade de tocar no assunto do desemprego. Não será uma ofensa a ela dizer que simplesmente representou um papel um tanto cretino, segundo um script também cretino.



Já não é mais possível, no Brasil, esconder a tragédia do desemprego. Mais de 10% da força de trabalho encontram-se na situação de desemprego absoluto, e algo entre 25 e 30%, nas grandes metrópoles, podem ser classificados como subempregados. Os primeiros estão ativamente procurando emprego e não encontram ocupação remunerada por salário algum. Os segundos estão fazendo bicos no mercado informal, ganhando menos do que um salário mínimo. Portanto, são também desempregados efetivos.



Entre os jovens, a tragédia é ainda maior. Dos que têm de 15 a 24 anos, cerca de 27% não estudam nem trabalham. Não admira que muitos se entreguem a atividades à margem da legalidade, como piratas e ambulantes, ou acabem na ilegalidade aberta, como aviões e soldados do tráfico de drogas, como auxiliares de quadrilhas e como bandidos imberbes. Impossível não se aperceber. Não obstante, a televisão, como a maioria dos meios de comunicação, tenta esconder a tragédia, ou dar-lhe uma interpretação grotescamente simplista.



No caso da reportagem do Fantástico, estamos à beira do charlatanismo. Na ânsia de negar a relação entre o alto desemprego e a política econômica neoliberal a que fomos submetidos desde Fernando Collor, inventa-se, como culpado, o próprio desempregado. Com isso escapa-se do indigitamento do verdadeiro vilão, que são os especuladores financeiros que estrangulam a economia produtiva e empregadora. E atribui-se à vítima o desempregado – e, principalmente, o desempregado jovem -, a culpa pelo desemprego. Embalado tudo isso no charme de Fernanda Lima, há uma “desproblematização” do problema do desemprego. Tudo fica resolvido. Para o jovem, basta continuar estudando, indefinidamente, em cursos supostamente de graça!



Assim as classes dominantes descansarão em paz com suas consciências - sobretudo agora, no Rio, quando a polícia fluminense decidiu levar às favelas, onde se concentram os desempregados jovens, sua mensagem peculiar de paz na ponta dos fuzis. É uma forma ainda mais brutal de mistificação da opinião pública, na medida em que a disseminação da violência do Estado concorre para que se esqueça o vínculo entre aumento da violência e alta do desemprego. Como disse Cícero a propósito do conspirador Catilina, até quando abusarão de nossa paciência?!



EMPREGO JOVEM



É uma ilusão achar que, numa situação geral de desemprego, pode-se resolver o problema do desemprego especificamente para os jovens. Pensou-se nisso no primeiro mandato do governo Lula, e a decepção foi geral. O programa do Primeiro Emprego fracassou redondamente. Não é de admirar, pois o mercado de trabalho é um só. Pode-se forçar a barra e criar estímulos para o emprego de jovens, mas a demanda de trabalho é tão grande que logo se verifica a pouca relevância da oferta dirigida. Além do mais, como forçar a oferta de emprego para jovens e deixar de fora chefes de família também desempregados?



DESEMPREGO E VIOLÊNCIA



Conversando com um pastor evangélico com grande experiência em trabalhos sociais nas periferias do Rio, pude ouvir dele um relato pessoal muito concreto de situações que denotam a relação inequívoca entre alto desemprego e violência entre a população pobre. O argumento mais comum entre jovens traficantes para se justificarem é que não há trabalho para eles fora do mundo do crime, ou o salário oferecido é ruim demais. Além do mais, no tráfico têm uma espécie de rede espúria de proteção social.



* Economista e professor

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