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Segunda-Feira,22 de Dezembro

Sobre o tempo e a borboleta

Por Cláudia Gabriel

Jornal O Norte
Publicado em 20/02/2014 às 03:01.Atualizado em 15/11/2021 às 16:45.

Cláudia Gabriel

Eu tinha acabado de fazer mechas e queria um shampoo poderoso pra manter o novo tom louro das madeixas. Por sugestão do salão, acabei comprando um produto de uma famosa linha francesa. O preço: quase 100 reais por 200 ml, mas não pensei duas vezes. É claro que daria resultado e valia a pena pagar por isso.

No primeiro teste, a decepção. Fios ressecados, esquisitos, sem brilho algum. Tentei me convencer de que ainda havia muita tinta no cabelo e de que, na segunda lavagem, seria melhor. Não foi. Comentei com o cabeleireiro e ele duvidou de que um produto tão bom pudesse estar contra mim. Depois de insistir bastante, guardei o frasco no armário, comprei outro shampoo, bem mais barato, e me esqueci do assunto.

Meses mais tarde, achei o vidrinho lá perdido, ainda pela metade, e experimentei de novo. De repente, fios lindos e brilhantes. Não acreditei. O mesmíssimo produto e uma resposta tão surpreendente... O que parecia fútil e insignificante – a preocupação estética – deu lugar a uma questão bem mais profunda. Saber o momento certo faz toda a diferença.

Pode ser assim num emprego. Chegar alguns dias antes ou um tempo depois e a vaga está ocupada. Pode ser assim no amor quando o destino marca hora pra acontecer. Se você passar por aquela esquina, no minuto errado, já era. Uma chance a menos de encontrar alguém especial. Você está de malas prontas para aproveitar um feriado e recebe uma mensagem no celular. Aquela pessoa que queria tanto conhecer acaba de chegar à sua cidade. Vem sem avisar e o que poderia ser um belo encontro se desperdiça.

Não entendo nada de culinária, mas acho que é quase como saber o ponto exato de um doce ou daquele molho cremoso que desanda rapidamente se o cozinheiro se descuidar. As pessoas mudam todos os dias. Basta um tempo de distanciamento e as palavras que antes agradavam agora podem ferir. As piadas que traziam gargalhadas perdem a graça. Por isso, sou tão ansiosa quanto a viver o que pode ser bom. Sei que, se eu esperar um pouquinho mais, as circunstâncias mudam e o momento passa.

Mas a experiência com o meu shampoo tão inofensivo ainda me ensinou outra lição. Eu descobri que mudar o foco, esquecer-me do assunto por um tempo, pode ser a chave para uma solução. Foi só deixá-lo ali perdido no armário. Como a história daquela pessoa que busca tanto um companheiro. Quando decide cuidar da própria vida, a alma gêmea aparece do nada. Ou aquela mulher que insiste em engravidar e, logo que adota um filho, o outro surge em seu corpo como por milagre.Uma definição linda, atribuída ao psiquiatra Viktor Frankl, diz isso da felicidade. Que ela é como uma borboleta. Quando você para de persegui-la e volta sua atenção para outras coisas, ela pousa suavemente em seu ombro.

O universo manda mensagens. Uma frase ouvida ou lida, um sinal sutil que pode passar silencioso como o vidro de cosmético guardado em casa. Tudo faz pensar sobre o lado passageiro da vida, sobre o que perdemos enquanto estamos procurando muito algo que nem sabemos ao certo o que é, mas que nos impede de aproveitar o que está tão perto.

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