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Sábado,7 de Junho

Sobre Ivan Lins e João Bosco

Jornal O Norte
Publicado em 28/10/2008 às 10:01.Atualizado em 15/11/2021 às 07:48.

Waldir de Pinho Veloso


Advogado, professor universitário e escritor



Era outubro de 1980. Estudava Direito na precursora da Unimontes, a então Fadir. O Presidente do Diretório Acadêmico Cyro dos Anjos era João Wilson Gonçalves Pereira Júnior. Havia um congresso de estudantes universitários da União Nacional dos Estudantes (UNE) em Piracicaba, interior paulista. Como Secretário do Diretório, eu fui a este Congresso.



O Presidente Wilsinho estava em Belo Horizonte, onde o encontrei, já na Rodoviária. De lá, fomos para São Paulo e, na mesma noite, para não dormirmos nas cadeiras do terminal rodoviário, e como não havia ônibus para Piracicaba durante a noite, fomos para Campinas. Passamos a noite sentados nas cadeiras plásticas campineiras e, às seis horas da manhã, tomamos o primeiro ônibus para Piracicaba.



A participação no congresso somente não foi mais intensa porque, em uma das tardes, um auditório era fechado demais para exalar tanta fumaça. E algumas delas, com cheiro muito diferente dos cigarros, o que fez com que tanto Wilsinho quanto eu não nos sentíssemos bem tanto física quanto moralmente. Mas, vou deixar o andamento do congresso para dizer que durante as noites, no estádio de futebol do XV de Piracicaba, região central, havia uma intensa programação musical. E, nas tardes, discursos desde o Bispo diocesano, passando pelo já conhecido Tancredo Neves e chegando até ao líder sindical emergente Lula.



Em uma das noites, fui à apresentação musical. A desorganização me permitia circular até a um passo do palco, assim como permitia a todos. Lembro-me que gostaria de ver e ouvir Marlui Miranda e sempre anunciavam ao microfone que ela ainda não havia chegado e que assim que acabasse o seu show em São Paulo, viria. Concluí que ela chegaria muito tarde e, vencido e maltratado pela viagem e pelas péssimas acomodações – o colchonete não tinha mais do que dois centímetros de espessura e o frio me congelava até os cabelos, o almoço era um marmitex de alumínio do qual escapavam um arroz empapado e uma laranja – não pude esperar.



Antes disso, enquanto alguma banda estava se apresentando, e eu rodava pelo gramado, vi dois artistas que conversavam. Como eu escrevia sobre música, imaginei que teria assunto para me aproximar deles e termos uma boa conversa. Eram João Bosco e Ivan Lins. O mineiro João Bosco, com sua tradicional barba, não se apresentava exótico. Ivan Lins usava um par de longas botas e algo como um crochê, um xale ou cachecol, sobre a roupa. O frio piracicabano e sendo uma apresentação em estádio aberto requeriam, sim, algo para proteção.



Conversamos algum tempo. Pedi a um estudante que tirasse uma fotografia minha ao lado dos dois. Falei com João Bosco sobre a intérprete Clementina de Jesus cantando “Incompatibilidade de Gênios” e ele imitou a voz grossa de Clementina, em algo como “Dotô, jogava o Flamengo e eu queria iscutá”.



Quanto a Ivan Lins, falei que eu tenho um amigo em Montes Claros – mais tarde, viria a ser meu compadre, já que Dária e eu batizamos Igor Higino, hoje músico – que tem o nome, resumidamente, de Pereira. E expliquei que Pereira tinha – e ainda tem – tanta admiração pela música de Ivan Lins que se ele gravar um assobio em um disco, Pereira o adquirirá. Peguei de uma caneta e um papel e pedi que Ivan Lins não somente autografasse, mas também escrevesse algo para eu entregar para Pereira. E ele o fez com atenção e dedicação. Escreveu um recado para Pereira e, ao término, escreveu também que estava mandando um grande abraço para Tino Gomes, Tico Lopes e o pessoal do Terno de São Benedito. Demonstrou conhecer Montes Claros e sua gente.



A breve (eram muitos artistas anunciados e cada qual cantava pouquíssimas músicas) apresentação de quem estava no palco chegava ao fim. E do microfone veio um som anunciando que Ivan Lins era o próximo a cantar. Ele se despediu de João Bosco e de mim e rumou-se para o palco. 



Eu também me despedi de João Bosco.



E, por motivos muitíssimo óbvios e sequer necessários de serem informados, nunca mais os vi.

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