*Cláudia Gabriel
Não me diga que você nunca sofreu com isso. Entra numa loja de sapatos com a maior disposição para as compras. Sai arrasada, sentindo-se um bagaço e, ainda por cima, com a ligeira impressão de que está levando tudo errado. Impossível não cair em crise existencial quando nada do que você experimenta dá aquela gostosa sensação de encaixe perfeito. As vendedoras bem que tentam ajudar. Grandes demais? Palmilha! Pequenos demais? Amaciante de couro resolve. O meu mau humor persiste.
Tenho certeza de que o ideal seria um número intermediário entre o 36 e o 37.
A moça da loja finge que não percebe, mas acho que, no fundo, ela quer me mandar embora e até abriria mão da comissão. Resignada, começa a achar mais argumentos. “A pelica é muito macia e cede. Leve os sapatos menores.” Ou: “Nesse outro caso, leve o maior porque aí você vai poder usar com meias grossas.” Compro meias para o novo teste. Olho no espelho por todos os ângulos. Insatisfeita.
Depois de horas no shopping, entre uma loja e outra, acabo levando quatro pares de botas. Sinto-me péssima, consumista, compulsiva. Mas elas têm pra mim um significado especial. Na infância, deu o maior comentário na família porque disseram que eu estava exibindo minhas botas novas para provocar inveja na prima. Eu nem sabia o que era isso direito. Só estava feliz com meus sapatinhos cheirando a couro novo. Mas os adultos não entenderam assim. Resultado: nunca mais deixei de olhar botas como símbolo de poder. Ai, essas questões psicológicas atrapalham meu banho de loja...
Com as calças jeans, mais indecisão. Tenho no armário 38, 40, 42. Como assim? Não é possível que meu corpo seja tão flexível... Na dúvida, prefiro as menores só pra ter a ilusão de que sou bem magrinha. Mas sempre acabo me arrependendo depois, quando preciso ter uma elegância impecável pra caber dentro dela.
Enquanto avalio, perguntas vêm como flashes. O que está por trás de tudo isso? Culpa pela compra? Insegurança? Minha mãe sempre me diz: “Não perca seu tempo. Afinal, são todos produtos passageiros e, em breve, vão ficar gastos mesmo.” Talvez seja isso. Faço compras como quem toma decisões definitivas. E assim ganham o peso das grandes escolhas na vida.
Bom, então eu vou aprender a ser mais leve da próxima vez. E agora é hora de voltar pra casa com as minhas dúvidas e as minhas sacolas. Só sei que tenho dificuldade de escolher e de renunciar. E, quando finalmente saio com os meus pacotes, carrego ali as fantasias que resolvi assumir e deixo pra trás aquelas que vão ficar na loja, à espera da próxima consumidora – indecisa – que entrar.
