Silêncio, começou o jornal...

Jornal O Norte
Publicado em 16/03/2006 às 11:39.Atualizado em 15/11/2021 às 08:31.

Délio Pinheiro *



Em tempos de Big Brother Brasil, dos programas vespertinos que exploram a miséria humana, dos programas imbecilóides de humor e de celebridades, é oportuno avaliar o que acontece com a nossa TV, com destaque para o jornalismo televisivo.



É inegável o poderio da TV em disseminar tendências e modismos. E essas modinhas são incorporadas ao nosso dia a dia de maneira sintomática.  Basta o Fantástico afirmar que o funk será a febre do verão, por exemplo, que o gênero ganha todas as programações de rádio e, conseqüentemente, se torna a onda do verão. Não há espaço para a espontaneidade e, sem nos darmos conta, somos enredados nesse ou naquele modismo. Ou será que você gosta tanto do Bola de Fogo ou da Taty Quebra Barraco como os programas dominicais imaginam?



Eu não gosto nem um pouco, é bom que se diga, mas viver sob os auspícios de uma democracia é suportar o gosto alheio que, salvo raríssimas exceções, é ruim de doer. Mas vamos que vamos.



- A TV, em sua eterna luta por audiência e melhores nacos de publicidade, potencializa esse esquema e procura oferecer à sua audiência as atrações mais rasteiras...



Esse esquematismo, que já foi estudado por Adorno, obedece à filosofia da comunicação industrial, oferecendo à audiência elementos potencialmente eficazes de supri-la, lançando mão de mensagens padronizadas e em série.



A TV, em sua eterna luta por audiência e melhores nacos de publicidade, potencializa esse esquema e procura oferecer à sua audiência as atrações mais rasteiras e superficiais que a criatividade humana consegue erigir. Ou será que alguém ainda agüenta assistir aos inacreditáveis desfiles de lingerie em pleno horário nobre?



E a platéia consome exatamente aquilo que é mais fácil, que não desafia sua inteligência e que seja mais compreensível. Por isso, as novelas têm tantos clichês e tantos assuntos banais são tratados nos programas vespertinos de fofoca, e matutinos e noturnos. Ainda levando em conta os ensinamentos do notável pilar da Escola de Frankfurt, é preciso fidelizar esse telespectador, ávido pelo mais do mesmo, nem que seja na base da rasteira.



Com relação ao jornalismo, não dá pra deixar de citar a suposta declaração do apresentador e editor do principal telejornal do Brasil, William Bonner, que teria afirmado que quem assiste ao JN é como o personagem Homer Simpson. Para quem não assiste ao desenho, Homer é o estereótipo do idiota americano, beberrão, ignorante e incapaz de fazer um comentário inteligente diante da máquina de fazer doido, como o cronista Stanislaw Ponte Preta se referia à TV.



Pois bem, já que somos todos como o Homer Simpson , no jornalismo televisivo também existe essa padronização. O exemplo-mor é, de novo, o Jornal Nacional, da Globo, que é, muitas vezes, a única fonte de informação de milhões de brasileiros. As informações divulgadas pelo JN, se fossem passadas para o texto, não seriam suficientes para encher quatro folhas de caderno e, no entanto, é o único subsídio de informações para significativa parcela da população.



- É impossível, portanto, exigir um posicionamento minimamente inteligente ou criativo de um telespectador frente a um determinado assunto...



Acrescente-se a isso as interrupções que o telespectador tem em sua residência, como o telefone e as visitas inesperadas, que interrompem a atenção no instante em que o sabichão Bonner está dizendo as notícias, e teremos aí um quadro perfeito da profundidade do jornalismo televisivo feito com o viés do imediatismo, com suas notas curtas e a abordagem superficial dos fatos.



É impossível, portanto, exigir um posicionamento minimamente inteligente ou criativo de um telespectador frente a um determinado assunto, se a única forma de informação a que ele tem acesso é o jornalismo feito nessas bases.



Contra esse esquematismo e esse jornalismo en passant, é preciso ter a obstinação de um Dom Quixote, pois é preciso ter em mente que por trás desse telejornalismo rasteiro há grandes empresas que visam o lucro acima de todas as coisas, e lutar contra isso é uma atitude que beira as raias da utopia, ou da loucura.



Eu tendo insistido no exemplo televisivo, mas esse fenômeno está presente também no rádio, na internet e no jornalismo impresso, como uma verdadeira praga, e não vejo, sinceramente, condições suficientes para crer em sua completa extinção.



Aparentemente, estamos caminhando cada vez mais para a fragmentação da informação que a cada dia se torna mais reduzida, mais direta e mais superficial.



Nestes tempos modernos instituídos pela internet, em que é preciso passar a informação com a maior rapidez possível, e não com o maior aprofundamento, estamos condenados a combater os moinhos de vento da falta de informação, com cada vez mais leitura, através de novas perspectivas e pontos de vista, para que não nos tornemos nem tão ignorantes como o senhor Simpson e nem tão arrogantes como o senhor Bonner. Que sejamos apenas alguém que não pense como todo mundo. E, em última análise, pensar um pouco além de tudo e de todos é o que nos diferencia e nos resgata da ditadura da mesmice.



* Escritor, jornalista e apreciador de jazz


www.novoslabirintos.blogger.com.br/

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