Petrônio Braz
Lendo em Luiz de Paula Por cima dos telhados, por baixo dos arvoredos, quando ele recorda seus tempos de tipógrafo na Tipografia Nascimento, em Pirapora, lembrei-me, com alguma satisfação, misto de saudade, dos tempos do jornal São Francisco, que editamos na cidade do mesmo nome, minha terra natal, nos idos de 1951/53.
Além de ter que escrever as notícias e receber os artigos de Geraldo Ribas, nosso companheiro de redação, também participava dos trabalhos manuais de composição, paginação das chapas e, depois da distribuição dos tipos nas caixas, letra por letra. Só não fiz serviços de impressão e limpeza das chapas. Esse era o trabalho do Sizínio.
Na tipografia, que pertencia à Prefeitura, existiam apenas quatro fontes diferentes de tipos móveis de chumbo, distribuídos em quatro caixas, que nos permitiam preparar os artigos e noticiários e fazer as manchetes e os títulos dos artigos. Era como se ainda estivéssemos no tempo de Gutenberg. Com uso do componedor, gastávamos dois dias da semana para preparar a composição manual das quatro pequenas páginas do semanário. Era um trabalho artesanal, que nos prendia nos finais de semana.
O componedor é um instrumento que serve para reunir os caracteres, que se retirava das caixas, letra por letra, para formar as palavras e linhas do texto, na medida escolhida para as colunas do jornal. É constituído de uma lâmina de metal com dois rebordos laterais, um móvel e outro fixo. Com o rebordo móvel nós fixávamos a abertura da boca do componedor, definindo a largura da coluna. Largura que, em geral, era sempre a mesma.
A máquina impressora era manual. Uma folha de cada vez, mas o Sizínio era rápido no pedal e com a mão destra retirava a página impressa e colocava uma nova, sem parar o movimento do pedal.
Não sei qual o destino que deram a esta máquina histórica pelos modernistas que governaram o Município deste então. Ela tinha sido adquirida, provavelmente, na administração Tarcísio Generoso, entre 1915 e 1918 e serviu para a impressão de muitos jornais pioneiros na terra de São Francisco.
Em 1961 fui diretor do jornal SF - O Jornal de São Francisco, fundado antes por Oscar Caetano Júnior, com a mesma impressora. Há esse tempo, a velha tipografia estava instalada no prédio do antigo mercado, que existia (e ainda existe) na beira do rio São Francisco. O SF foi o jornal de maior duração editorial de São Francisco, e o melhor. Se não me falha a memória, de 1960 a 1970, ou um pouco mais. Todavia, os números editados sob a minha direção, em 1962, por questões políticas, foram destacados da série seqüencial das edições.
Em um dos momentos críticos da vida pública, em 1962, quando estávamos na oposição, fui eleito presidente da Associação dos Amigos de São Francisco, que era então, a proprietária do jornal. Tive que tomar a tipografia pela força das armas. O Capitão Enéas, como lembra Wanderlino Arruda, afirmava que homem sem arma, não é homem. Coisas do passado, que hoje me fazem rir.
Tenho comentado, nos dias atuais, com o Oscar, quando vou a São Francisco, alguns fatos pitorescos do passado político de nossa terra, quando éramos adversários, como em uma ceia dos cardeais.
Participei de atividades políticas de 1947 a 1990, mas o período anterior a 1964 foi o que me traz recordações realmente assustadoras. Recordo-me que, na campanha política de 1950 (há exatos 58 anos) o pároco da cidade, padre Quirino Lasafá, havia instalado, na Casa Paroquial, um serviço de alto-falantes. Por duas noites consecutivas ele fez indevidamente propaganda eleitoral em favor de nossos adversários. Reclamamos, mas sem solução. Na terceira noite, com um grupo de amigos, invadi a Casa Paroquial e quebrei a aparelhagem do padre. O padre assustado, abrindo os braços, exclamou: Filho, o que é isto!. Não houve reclamações, nem se registrou queixa. Ficou tudo como dantes, na terra de Abrantes.