Por Patrícia Gomes
“Você não tem nojo de mim, não?” Ela me perguntou, surpresa. Não, eu não tinha.
“Eu sou pobre, preta, feia e aleijada, quem vai gostar de mim?” Pois, contrariando a lógica criada pela andarilha, sim, eu gostei dela.
Cláudia vive no centro da cidade grande. Já teve casa, morava com a tia, mas há treze anos foi obrigada a mudar-se para a rua. Cláudia seria mais uma pessoa, dessas que se esgueiram pelas calçadas, dessas que a gente finge não ver, dessas que, se não saírem do caminho, serão atropeladas pela multidão cega que vive na correria. Seria, mas não é.
Ela tem o corpo esguio, a barriga parda, mas as mãos e os pés escuros, castigados pelo sol. Os cabelos ficam escondidos por uma espécie de turbante improvisado, as roupas são maiores do que a própria estatura e a sandálias de amarração precária insistem em se soltar dos pés, o que incomoda um pouco. Ela para arrumar o calçado, para recolher sapatos, peças de roupa ou qualquer pedaço de pano que possa ser usado como cobertor.
A comida também vem do lixo. Cláudia não aceita doações, não suporta caridade, não acredita em quem quer ajudar. Ela cata cada refeição nas latas cheias de bichos e sujeira. Não acredita ser digna de entrar numa lanchonete para comprar, como qualquer cidadão, um lanche decente.
Hoje, ela não ganha dinheiro algum, moeda sequer. Não recebe salário, não tem ajuda de ninguém. Ela já trabalhou de carteira assinada, agora continua o ofício da maneira que consegue. E trabalha o dia todo. Começa de manhã bem cedinho e, às vezes, segue até o final da tarde. “Isso quando eu não desmaio, minha filha. Porque, se eu fico o dia inteiro sem comer, passo mal e caio dura no chão.”
Ela varre algumas dezenas de quarteirões, arruma praças, limpa debaixo do viaduto, reclama muito dos mendigos, como ela, que, diferente dela, largam sua sujeira para todo lado. Todos da região já conhecem a moradora de rua que ajuda a manter a cidade limpa. O porteiro agradece, o gari oferece as próprias luvas para tornar o trabalho dela menos arriscado, o faxineiro do prédio sorri impressionado.
- Gostei muito de conhecer a senhora, me declaro.
- Eu também gostei de você. De início, eu ia correr, mas aí resolvi conversar e acabei gostando d’ocês tudo.
- Como é mesmo o nome completo da senhora?
- Vera Lúcia.
- Mas, não era Cláudia?
- É que eu não gosto que fiquem gritando o meu nome por aí. Então, digo que me chamo Cláudia. Vera Lúcia é nome de verdade, que só conto pra gente que importa.
Não demorei a me despedir, para deixar Vera Lúcia trabalhar. Afinal, limpar a cidade não é serviço fácil. Saí de lá me achando uma pessoa melhor e mais importante do que era quando cheguei.