Samuel Sousa Figueira
A Santa Casa de Montes Claros faz 137 anos nesta primavera. Quase tão idosa quanto o Município sesquicentenário, sua certidão de nascimento se transcreve na Lei 1776, de 21.09.1871, do Governo da Província de Minas. Nasce por iniciativa do Dr. Carlos Versiani, primeiro médico da região, e do Cônego Antônio Gonçalves Chaves. Na ocasião, o padroado vinculava o poder do Estado ao da Igreja. Por isso, em funcionamento, a Santa Casa recebeu de Sua Excelência Reverendíssima Dom João Antônio dos Santos, Bispo de Diamantina, a homologação final de sua personalidade jurídica, por Ato Canônico datado de 09 de janeiro de 1878. Daí ter a Instituição duas datas de aniversário.
Mas não é a História, no bolor de seus registros, que nos suscita este artigo. O que nos inspira é o que subjaz a iniciativa daqueles que lançaram sua pedra fundamental e que se manteve incólume na dinâmica do tempo.
Tanto admiro a História da Santa Casa, quanto me orgulha dela fazer parte. Mesmo que pequena a minha contribuição, não economizei empenho e ardor na luta por crescê-la em quantidade e qualidade de serviços, nos últimos doze anos.
A Santa Casa, mesmo similar, no que faz, a outros hospitais, é um empreendimento único e incomum. Há algo que a sobreleva. Algo que a faz candeeiro, chama que acende novas chamas, como guardiã centenária do fogo do amor à vida da pessoa humana. Pioneira, não se pode negar que tenha inspirado os que lhe sobrevieram e hoje honrosamente a ladeiam neste solo sertanejo, no combate diuturno e incansável contra o sofrimento da dor e o manto tenebroso da morte.
Sempre percebi nas pessoas um carinho todo especial pela Santa Casa. Um respeito latente, pouco consciente, mas efetivo. Principalmente naqueles que, no andar da vida, lhes conheceram os braços acolhedores, quer ao abrigo de si, quer ao de pessoas queridas.
É necessidade humana, inerente aos cinco sentidos, identificar o conteúdo pelo continente. Assim, fala-se da Santa Casa como se fora uma edificação, cheia de leitos e equipamentos médico-hospitalares e, por vezes até, imerecida e equivocadamente, cheia de dinheiro.
A Santa Casa não é isso. Tudo que a reveste em forma material é apenas meios que reuniu ao longo de seus cento e trinta e sete anos prestando o mais importante serviço social no Norte de Minas. Meios não são fins! Muito menos fundamento!
O que subjaz o esforço de seus criadores – e que permanece inteiramente vivo em sua essência laboriosa – é o amor samaritano. Uma chama, uma vontade divinal de servir ao outro. Silenciosa e santa como se lhe batiza o nome. Uma tocha que nasce miúda e cresce à medida que outros beneméritos, no correr dos anos, juntam-se no mesmo propósito imaculado de servir. Nada mais belo! Nada mais nobre!
Como administrador desta magnífica Instituição, devo zelar por tal essência, para não cometer o equívoco de esconjurar o valor mais lídimo plantado em seus alicerces: a caridade.
Se, por nossa natureza humana, dependemos de símbolos tangíveis para nossa percepção das coisas, que tomemos então as Irmãs de Caridade como imagem da Santa Casa, não seu patrimônio. Nelas é que a Santa Casa residiu e reside com sua mais límpida pureza. Elas é que poderiam personificar esse amor ininterruptamente dedicado ao próximo, como se o próximo, prostrado, frágil e indefeso em sua doença, fosse o próprio Cristo flagelado, ainda respirando, que acabara de descer da cruz.
Aí sim, está a Santa Casa. Um coração que pulsa sem trégua, diligenciando para que não se interrompa a seiva da vida. Um coração institucional que transcende até mesmo os corações dos que nela trabalham, os quais luta por agrupar numa única determinação: a de servir ao próximo.
Eis, portanto, a Santa Casa que hoje faz seus 137 anos. Simples e intangível sopro de Deus, alma que preenche, e até mesmo transborda, as paredes de sua imensa edificação. Aos que trabalham, a justa pecúnia. Aos doentes, a esperança de sobrevida. À Instituição, representada numa Irmandade discreta de abnegados católicos, apenas a satisfação de ver os braços da Santa Casa cada vez maiores e mais fortes para proteger a tantos quanto dela necessitarem.
No aniversário da Santa Casa, portanto, não sopremos a vela. Ela nunca se apagará, porque não é chama fátua das coisas interesseiras do mundo, mas fogo desambicioso da caridade, que de Deus provém.