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Quarta-Feira,18 de Setembro

Sábados em Montes Claros

Jornal O Norte
01/11/2005 às 19:14.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:53

Itamaury Teles de Oliveira

Embora todos saibam que, em decorrência da completude do giro sobre seu próprio eixo, os dias no planeta Terra têm 24 horas. Os cientistas mais precisos dizem que são exatas 23 horas 56 minutos 4 segundos e 9 centésimos...

Isso depois do grande terremoto na Ásia, no final de 2004, e da conseqüente acomodação das placas tectônicas, em depressões abissais do Oceano Índico, que deixou a Terra menos achatada.  Com efeito, aumentou ligeiramente a rotação do nosso Planeta e diminuiu a duração do dia em 2,68 microssegundos (1 microssegundo é igual a 1/1000000 segundo, ou seja, um milhão de vezes menor que 1 segundo), em função do princípio da força de Coriolis.

Para quem não possui tempo para pesquisa, esse princípio pode ser explicado a partir de uma prosaica comparação com uma bailarina girando sobre os pés. Como mágica, ela consegue aumentar a velocidade de sua própria rotação sem ajuda de força externa, apenas alterando a posição dos braços em relação ao corpo. Se estes se aproximam do corpo – o eixo de rotação – haverá um acréscimo de torque, ocasionando maior velocidade de rotação.

O mesmo princípio aplica-se à rotação da Terra. As mudanças na velocidade do giro são imperceptíveis, mais passíveis de serem medidas pelos cientistas.

Outras pessoas vêm-se utilizando da física quântica para justificar a percepção hodierna de que os dias parecem estar mais curtos.

Essa digressão científica vem a propósito de reflexão que venho fazendo, de uns tempos para cá, com amigos que se encontram na fase contemplativa da vida, sobre os dias montes-clarenses, que parecem ter dimensões diferentes entre si. Principalmente sobre a duração dos sábados. Chegamos à conclusão – estribados em percepções empíricas, todavia – serem os sábados montes-clarenses, para nós que os conhecemos de perto, os menores do Planeta.

Os nossos sábados são um dia especialíssimo. Não parece ter as 24 horas marcadas pelos nossos cronômetros, tal a quantidade e qualidade do que fazer.



Assim, é dia de acordar cedo, para aproveitar mais intensamente as oportunidades sempre agradáveis de reencontrar os amigos. E, nesse particular, Montes Claros tem uma característica que a destaca das demais cidades: o encontro com os amigos independe de prévia marcação. Aqui, as prosas são instintivas, atávicas, necessárias, essenciais à vida saudável do sertanejo que se preze como tal.

Sentimo-nos no umbigo do mundo, no centro nevrálgico do Universo, quando estamos em Montes Claros, nos sábados. É um burburinho só, onde quer que você vá, embora haja alguns lugares especiais em que uma força invisível nos atrai mais intensamente.

Desde as primeiras horas, vários bares oferecem aos seus freqüentadores os tradicionais caldos de feijoada e de mocotó, para dar “sustança” e rebater os efeitos das farras homéricas da noite da sexta-feira anterior.

Há os que, ainda na “fumaça do dia”, se dirigem ao Mercado Municipal só para ver o vai-e-vem de pessoas sobraçando sacolas e cestas e para degustar as frutas de época da região.

Logo a seguir, o movimento se desloca para o Quarteirão do Povo, nas proximidades do Restaurante Cristal e do Café Galo, com prosas imperdíveis, em diversas rodas de políticos, jornalistas e outros comentaristas dos acontecimentos mundanos. Toda a cidade passa por ali aos sábados e todos se encontram. Repito: sem necessidade de prévia marcação.

A partir do meio-dia, o movimento se desloca para a rua Santa Maria, no Bairro Todos os Santos, onde as pessoas vão-se espalhando pelos bares que por ali pululam, para se refrescarem com goles generosos de cerveja gelada e se empanturrarem com uma suculenta feijoada, apenas para “combinar” com o clima da cidade...

No Skema Kente, o “quartel general” dos bares daquela movimentada rua, há freqüentadores com cadeira cativa nas mesas 1 e 2 da “Diretoria” e há os que preferem permanecer proseando em pé, à beira do grande balcão de granito, normalmente em torno de figuras conhecidas que pontificam naquele local democrático.

Dali, os comensais já saem prontos para o sono profundo de final de tarde – pois ninguém é de ferro – e só acordam à noitinha, para tomar um banho e se arrumarem para as festas de casamento ou para reencontrar os amigos nos bares, pizzarias e restaurantes da Avenida Sanitária. Uma loucura...

Todo sábado é sempre igual, mas, paradoxalmente, sempre diferente, pois as pessoas não são as mesmas nunca... modificam-se sempre.

Para mim, não há, no planeta Terra, sábado algum como o montes-clarense. É questão de gosto e não estou exagerando. Para se ter uma idéia disso, vou contar-lhes um acontecimento interessante. No final da década de 80, fui à Europa com um grupo de 16 pessoas. Todas residentes em Montes Claros. Foram 32 dias de visitas a 11 países e 2 principados. Num certo sábado, pela manhã, estando na Riviera Francesa, em plena cidade de Nice, visitava a praia, em companhia do conterrâneo Nélson Santos, para fazer algumas fotos e tomadas de filmagens. Ficamos ali a observar aquela praia famosa, com muita pedra e pouca areia, com uns “gatos pingados” tomando banho de sol.

Mas, mesmo estando em Nice, o banzo bateu forte e tive a certeza de que o melhor lugar do mundo nem sempre é o “aqui e agora”. Naquela manhã de sábado, sabia que o melhor lugar do mundo, indubitavelmente, era o Quarteirão do Povo montes-clarense. E que continue sempre assim...

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