Helder Caldeira
Quem nunca teve a vida pessoal atropelada pelos compromissos profissionais? Principalmente quando se está no início da casa dos trinta anos, o chão começa a ficar um pouco mais firme e nos é permitido contemplar o horizonte sob a perspectiva de olhos de águia? Há uma lendária regra da sociedade garantindo que, quando seu casamento, namoro, relacionamento ou algo do gênero termina, é porque você está prestes a receber uma promoção no trabalho. Não duvido. Dedicar-se de verdade à carreira e à profissão, na maioria das vezes, coloca em xeque o delicado equilíbrio de nossas relações afetivas. E quem diz o contrário é porque nunca precisou trabalhar à vera ou valoriza bem pouco o emprego que tem ou a função que exerce.
O objetivo dessa crônica é dividir com vocês uma experiência. Tornar-se um escritor profissional é aproximar-se do uxoricídio e do mariticídio. Não se preocupem: não matei ninguém! Mas tem gente querendo me matar! Ando vivendo o que tenho chamado de dias de trovão. O lançamento da minha obra A 1ª Presidenta (Editora Faces, 2011), narrando em análise crítica a trajetória política da presidente Dilma Rousseff, está causando um vendaval na minha vida... profissional e pessoal! Isso sem falar que estou em pleno processo de criação do meu próximo livro. Ou seja, além do trabalho cotidiano de escrever para mais de quatro dezenas de jornais e portais brasileiros e da concepção de uma nova obra, estou vivendo em meio à irrupção de jornalistas, amigos e parceiros profissionais telefonando, tuitando e mandando e-mails a todo momento. O temporal foi ainda maior tão logo anunciado que meu livro sobre a presidente da República será transformado em filme.
Vou dar um exemplo rápido para melhor ilustrar: era final de tarde de uma sexta-feira, eu estava há quase três dias dormindo cerca de duas horas por noite, estava acordado escrevendo desde as cinco da manhã e tinha passado o dia entre as letras e as muitas entrevistas. Eu acabara de falar com um jornalista da Argentina quando o telefone tocou. Era quem eu mais amo: Estou tentando falar com você há horas e não consigo. Vamos ao cinema hoje? Não te vejo desde segunda e estou com saudade! Minha resposta foi cruel: Não posso! Para aquele dia foi agendada uma entrevista, por telefone, para um jornal do Vietnã. Como há uma diferença de fuso horário de dez horas entre o Rio de Janeiro e Ho Chi Minh, eu falaria por volta das 10h30 da noite daquela sexta-feira (para os vietnamitas, 08h30 da manhã de sábado). Que amor é capaz de resistir a isso? Não há, em absoluto, como fazer um esquema Ponzi entre os universos pessoal e profissional.
Por mais que eu afirme e reitere constante e categoricamente que o sucesso, em si e como gostamos de fantasiá-lo, é uma ilusão, uma invenção abstrata, há sempre aqueles momentos em que ele atua, ainda que impalpável e intangível, como um serial killer dos afetos. Não por acaso, no meio da discussão, ouvi a seguinte constatação: Você não tem tempo pra mais nada! Agora é só escrever, escrever, escrever e dar entrevistas. Seu sucesso está se tornando uma rompeira. Logo em seguida ele explicou que, dada a tensão do debate, tinha dito rompeira ao invés de barreira. A dinâmica acelerada do seu raciocínio tinha unido dois conceitos diametralmente opostos: rompimento e barreira. Intimamente triste com aquela afirmação, permiti novamente a ingerência do profissional escritor nos assuntos pessoais e me intriguei: que diabos seria uma rompeira?
Foi exatamente nesse momento que percebi o quanto esse ato falho era a consignação de nossa verdade enquanto casal e acabei encontrando uma lição de vida nesse pseudoneologismo: quando o amor está em questão por conta do extrapolar de compromissos profissionais em detrimento à vida pessoal, são necessárias rompeiras. A isso leia-se: força e poder para romper barreiras. E aqui não estou falando de fins. Pelo contrário. Estou falando da união de duas pessoas para, juntos, atravessarem os obstáculos que são impostos diuturnamente.
No turbilhão que a vida profissional se transforma, honrar todos os compromissos é uma missão que exige dias com trinta horas e relógio biológico em horário siberiano. Mas não apenas isso. Exige, também, ter ao lado alguém que ame de verdade e que tenha paciência, que seja capaz de dar-te mimos e carinhos ainda que ouvindo frases lacônicas extraídas da distante presença de uma silenciosa e concentrada ausência. Não é uma matemática fácil, eu sei. Mas não é impossível encontrar as rompeiras. Eu acabei de receber uma mensagem dizendo: eu te amo, devidamente respondida com um sonoro amo. Ou seja, depois da crise, estamos encontrando nossas rompeiras. E que tal vocês também tentarem encontrar as suas? Trata-se de um extraordinário exercício de amor e dedicação.