Antônio Augusto Souto
Não faz muito, meninos, eu vi revoada de garças brancas, rasante e em lição de geometria, sobre as águas plácidas do lago do Remanso.
A impressão que tive, no instante, foi de que elas empurravam e, ao mesmo tempo, rebocavam. Empurravam, silenciosas e disciplinadas, o que restava de mais um dia; rebocavam, garbosas e incansáveis, o início de uma noite fria.
O espetáculo durou um átimo. Apenas o suficiente para que se imprimisse, no lusco-fusco impressionista, uma tela que Claude Monet, com certeza, assinaria: a fluidez da brisa leve, a graça de um mimo e a beleza que existe, num momento triste.
Senti inveja dos pintores. Eu, que não sou capaz de manejar pincéis e misturar cores! No entanto, como gostaria de registrar, em aquarela, aquele flagrante, aquela imagem retremida e bela!
Ao fim da revoada, o Remanso escureceu, como se se fechassem as cortinas de um palco de magia. Impulso me pôs de pé e bati palmas, imaginando aplauso demorado de centenas de pessoas, todas absolutamente encantadas, como eu.
Ainda bem que eu estava sozinho e ninguém me viu. Dei graças a Deus, por não ter que me explicar.
Remanso, leitora querida, é o nome com que batizei o lugar aonde vou, sempre que posso e a saudade aperta, reencontrar um pessoalzinho que é dono de metade do meu coração. Fica a 542 quilômetros da minha garagem, no condomínio chamado Quintas do Lago, entre os municípios de Cláudio e Carmo do Cajuru. O lago é formado pelo rio Pará, que é grande, bonito e limpo. A propósito, no trajeto de ida, passa-se sobre ele três vezes. Na primeira, logo depois de Pompéu, suas águas já apresentam sinais de poluição.
Depois do show das garças, estive lá, em mais três ocasiões. Em nenhuma delas, as danadinhas apareceram estou apostando que elas não estavam a fim de dar colher de chá a um aprendiz de poesia.
Na última vez, encontrei-me com artista plástica amiga de Clarissa. Levei-a ao meu ponto de observação e narrei-lhe o que vira. Falei o pouco que sabia de Impressionismo, das outras vanguardas européias do início do século passado e de pintura, em geral. Confessei-lhe a inveja que sinto dos iluminados que conseguem criar e recriar imagens, manejando pincéis e misturando cores.
Ela quis saber se eu, por acaso, já havia tentado pintar qualquer coisa. Respondi que não, que o máximo que já realizei, nesse sentido, foi tentativa de pintar, com rolinho, uma parede da biblioteca. Só uma, pois não gostei da experiência e deixei as outras à disposição do pintor. A propósito, enquanto eu me atrapalhava com o rolinho e me lambuzava de tinta, o cara me olhava e ria.
Ouvi palavras generosas e a sugestão explícita: tente.
- Arte, Antônio (não falou “seu” que abomino), qualquer arte, seja pintura, seja poesia ou música, exige 80% de sensibilidade e 20% de habilidade. A habilidade se adquire, com treinamento e disciplina. A sensibilidade nasce com a pessoa. Tente. Para ajudá-lo, no início, conte comigo.
Prometi pensar no assunto.
P.S. Falei que não gosto de ser chamado de “seu” Antônio. É verdade. Prefiro que me chamem por Antônio, Antônio Augusto ou Tone. Também dispenso doutor ou professor.