Felippe Prates
CRÍTICA DO LIVRO - Lançado no último ano e a nós gentilmente oferecido com carinhosa dedicatória, agradecemos o exemplar de “Retalhos de minha vida”, de autoria de Afonso Prates Borba, editado pela Gráfica e Editora Millennium, de Montes Claros. Antes conhecido na imprensa e pelos leitores graças às suas corajosas crônicas desancando de rijo tudo o que há de errado neste mundo, principalmente na área política, a partir de agora Prates Borba, com o advento deste seu primeiro livro, passou a merecer a nossa admiração também pelas suas positivas qualidades de memorialista.
Em alguns momentos de “Retalhos de minha vida”, principalmente quando se refere ao “vô” Álvaro e, num estilo apaixonado, à sua queridíssima esposa Wanda, com quem se casou há mais de cinqüenta anos, o autor substitue a caneta pelo coração e o faz com notado brilho, sem exageros, pieguices ou excessivos transbordamamentos, transitando com passos de mestre por um terreno pantanoso, passando ao largo das areias movediças que costumam tragar o autor desavisado, aflorando-lhe a má qualidade de seu trabalho, esmagando-o e levando-o ao ridículo.
Felizmente e longe disso, Afonso Prates Borba produziu um texto enxuto, que prende a atenção do leitor pelo estilo ameno, bom gosto literário e seguro conhecimento da Língua.
A literatura memorialista de qualidade, consagrada dentre outros autores por Helena Morley, pseudônimo de Alice Brant, no seu fascinante “Minha vida de menina”, em que conta de forma primorosa passagens da sua infância e pré-adolescência em Diamantina, no início do último século, demanda um talento especial de quem ousa enveredar por este árduo caminho, que leva à miúde ao fracasso. Na verdade, poucos autores conseguem tornar de interesse público episódios da vida privada, de sucesso particularizado, universo reduzido, pois restritos à família e à convivência com alguns poucos amigos, e que, por via de consequência, “ab initio” interessa a poucas pessoas, num espaço limitado por fronteiras muito próximas. Esta, uma tarefa difícil, da qual Prates Borba se desincumbe com competência.
João Caetano Canela, um craque da crônica, nosso companheiro de página de jornal, foi muito feliz quando, sobre o livro, disse: “Escrito com a pena da leveza e elaborado com delicadeza de sentimentos e emoção aflorada, “Retalhos de minha vida” antes de constituir-se num relato de interessantes episódios da existência do autor – um observador sensível e arguto – é, um desagravado depoimento de vida de um homem compassivo, reverente e humano, que aceita o mundo e se propõe a compreender a prodigiosa aventura que é viver”.
O livro, razoavelmente impresso, bom de se ler, conta com apresentação e prefácio corretos.
Abrindo um parêntese nesta análise crítica, pessoalmente, Afonso, o autor, sempre nos mereceu amizade e admiração, por se tratar de um autêntico “self made man”, que nasceu pobre e fez fortuna à custa de trabalho honrado, muita dedicação e coragem para enfrentar
e vencer os desafios que a vida lhe reservou. Aprendemos a gostar dele, não é de hoje. Há
muitos anos, numa visita à sua fazenda, nos encantamos com a ênfase de sua defesa do ex-presidente Fernando Collor, emboramente dele discordarmos. Mas, seria injusto desconhecer a clareza e a profundidade dos argumentos que embasam a sua sólida posição, fruto da marcante personalidade de Afonso, um homem de bem e de opinião. Contra a deposição de Collor, que considera injusta, oferece argumentos históricos e de cunho pessoal, plantados numa lógica própria porém honesta, fronteiriça da razão, em que ele acredita piamente e defende com ardor. Absolutamente não se trata de um chato juvenil, retido na adolescência, quando todos nós discordávamos de tudo e de todos, muitas vezes para aprender nas asas e na esteira da polêmica, jogando quilos de conversa fora e deitando cátedra até sobre o sexo dos anjos. Afonso, inteligente, é um polemista incomum, simpático, interlocutor bem educado, de agradável convívio, mais um Prates brilhante, notória marca da nossa família e que não chega a ser uma novidade.
No exercício da crítica literária, atividade à qual nos dedicamos há vários anos, com o generoso reconhecimento de algumas editoras, conquistamos inúmeras inimizades, pois alguns autores de inteligência menos claras, que confundem amizade com talento, se ofenderam com o teor das nossas críticas menos lisonjeiras, em vez de se valer delas para crescer, aperfeiçoando o seu texto. O elogio morre no abraço de agradecimento; a crítica negativa, não, pois oferece ricos dividendos, soma, acrescenta e dura até que a dor passe, o que é uma pena. Para o autor, seria melhor, não.
Aprendemos a trabalhar de uma forma impessoal, quando a emoção cede lugar ao exercício de uma técnica, sob o foco de determinados pressupostos, regras literárias, gráficos, que ora resultam em louvação ou no desprezo de um novo texto. Há os que desconhecem isso, ou preferem ignorar a realidade, momento em que passam recibo de sua mediocridade.
Assim, a análise crítica de “Retalhos de minha vida” é fiel e se submete não apenas a essas preliminares, mas igualmente à indispensável isenção do crítico, um profissional, aqui totalmente divorciado dos laços de parentesco e amizade que o ligam ao autor em tela, cujos e emboramente, por outro lado, num patamar de independência, coerência e a bem da verdade, deles nos orgulharmos, pois muito nos honram.
Na nossa opinião e dentro dessa ordem de idéias, assinale-se, o livro de Afonso Prates Borba corresponde inteiramente à intenção e ao propósito revelados pelo autor, recomendando-se aos apreciadores de textos leves, bem elaborados e de fácil compreensão.
Lamentávelmente, os círculos literários e a inteligência montesclarenses não dedicaram a este livro as merecidas homenagens a que faz jus, com a sua natural e positiva repercussão. Insensibilidade, descortesia ou, quem sabe, ambas?
Liga não, Afonso.
Afinal, seu belo livro “Retalhos de minha vida”, não é para qualquer um...
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