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Quarta-Feira,25 de Junho

Relativizando a meritocracia

Jornal O Norte
Publicado em 04/04/2007 às 09:25.Atualizado em 15/11/2021 às 08:01.

Neumar Rodrigues *



Um dos pilares que sustenta o sistema capitalista relaciona-se com o mérito, onde alguém ou uma classe ou um grupo recebe recompensas fundamentadas no merecimento pessoal. Evidente que o esforço pessoal precisa ser premiado e aqueles que não lutam ou não se esforçam não merecem o mesmo cuidado. Mas as coisas não são tão simples quanto parecem a princípio.



A partir do princípio do prazer, a meritocracia desencadeou a  competição em níveis tão elevados que tem produzido sérias conseqüências em termos individuais e de grupo. No primeiro caso, a necessidade de ser o primeiro ou, pelo menos, como prêmio de consolação, estar entre os primeiros, leva o indivíduo a um estresse acentuado que pode iniciar-se já nos primeiros anos de vida, quase sempre com incentivo dos pais, com sérios prejuízos para a saúde. Em termos de grupo, a necessidade em ser o melhor ou ser o primeiro leva as pessoas a ignorarem valores básicos humanos para poder alcançar o objetivo, que é vencer a qualquer custo.



Procedimentos assim funcionam como combustível para a discórdia, o ódio, a desonestidade e o mau caráter, destruindo amizades e as premissas básicas de qualquer relacionamento humano harmonioso.



A meritocracia deveria pressupor oportunidades iguais para pessoas iguais, para que se pudesse avaliar o esforço de cada um. Na verdade, sabemos que as pessoas são diferentes em suas potencialidades e capacidades e que as oportunidades são muito distintas para cada indivíduo. Vejamos o caso específico do vestibular para um curso concorrido como o de medicina para uma universidade pública. O número de candidatos sempre tem sido muito superior ao número de vagas oferecidas.



As pessoas são diferentes e cada uma teve oportunidades diferentes para se preparar para os exames. Quem nasceu em um lar de classe média provavelmente teve oportunidade de fazer o ensino de 1o e 2o grau numa boa escola e teve dinheiro suficiente para pagar um cursinho preparatório. Essas condições não tiveram alunos pobres que não puderam arcar com os altos custos de um bom ensino preparatório. Evidente que esses alunos terão menos chances de passar no vestibular concorrido que os outros alunos que tiveram condições econômicas adequadas.



Imaginemos uma outra situação mais complexa ainda. Nesse mesmo vestibular concorrido para medicina, imaginemos a existência de cem vagas e de mil candidatos. Imaginemos que todos tiveram oportunidades iguais em termos de boas escolas preparatórias, inclusive para o vestibular. Que todos eram inteligentes e esforçados. Esses candidatos poderiam ser ótimos a ponto de a metade deles (ou seja, 500 alunos) tirar a nota máxima acertando todas as questões e a outra metade tirar apenas um centésimo a menos. Todos os mil candidatos mereceriam entrar para o curso pretendido pelas notas excelentes que tiraram. No entanto, dos 500 candidatos que tiraram a nota máxima apenas 100 entrariam, mas os outros 400 que também tiraram a nota máxima não poderiam entrar porque a número de vagas não comportaria.



Assim é que Ronaldinho Gaúcho ganha tanto porque não existe outro. Quanto mais Ronaldos existirem, menos ganhará cada um.



Num país injusto e cheio de contrastes como o Brasil, onde o salário mínimo à partir de domingo passado (primeiro de abril, dia da mentira!), passou a valer R$ 380, com calorosas e hipócritas discussões, tentamos compreender porque que cada deputado federal custa por mês R$ 102,3 mil entre salários e verbas de gabinete, e também porque no Judiciário o teto salarial dos Magistrados é de R$ 24,5 mil. E querem mais!



No país dos políticos sanguessugas, mentirosos e caras de pau, alimentados pelo estrume da cloaca do valerioduto, falar em meritocracia é fazer de conta que as classes exploradas não sabem que o grande mérito que conta não é o antigo e bom Q.I. (Quociente de Inteligência), que foi substituído pelo que realmente conta no Brasil, o q.i. (quem indica).



* Jornalista

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