Reivaldo: foi-se o o homem pio

Jornal O Norte
Publicado em 24/10/2008 às 09:17.Atualizado em 15/11/2021 às 07:47.

Leonardo Álvares da Silva Campos


Autor dos livros O homem na pré-história do Norte de Minas e A inacabada família humana



Escrevi, em meio a outros assuntos, em meu segundo livro, A inacabada família humana, que a morte é ordem biológica da vida com o nome de destino. O homem já nasce morrendo, vive cansado enquanto os mortos descansam. Viver é correr riscos, falecer é suprimir a individualidade, a qual é absorvida pelo supremo espírito universal. A morte é doença hereditária, e sempre ganha, mesmo dando aos mortais uma vida inteira pela frente.



Somos dualidade, espírito e matéria. A matéria sempre passa, após entrelaçada com a horrorosa realidade dos desatinos da humanidade; o espírito é eterno, estando sempre ascendendo aos páramos da Luz.



Se para mim a morte não traz maiores preocupações, e chego mesmo a perguntar-lhe quem é a sua puta que a pariu, alguns desencarnes me surpreendem. Primeiro meu irmão Alexandre liga-me de Montes Claros para Belo Horizonte e, sem maiores dados, comunica-me o passamento de um ser de bondade transcendental, a caminho dos espíritos mais evoluídos: Reivaldo Canela. A seguir, outra pessoa iluminada, o Waldir de Pinho Veloso, confirma-me o fato com riqueza de detalhes - se é que existam detalhes ricos sobre a morte, essa coisa sem graça, sem carisma, sem popularidade e pródiga em suas besteiras de preservar mais um pouco neste Plano os seres mais atrasados da inacabada família humana, levando mais cedo os melhores, parecendo dar vida ao ditado que diz que vaso ruim não quebra.



Aqui, relembro, saudoso, amigos do coração que se foram, entre mais novos e mais velhos - porque a passagem um dia acontecerá - deixando-me um pouco órfão nesta existência: José Gonçalves de Ulhôa, Simeão Ribeiro Pires, Arthur Jardim de Castro Gomes, Geraldo Magalhães Gomes, Hermes de Paula, Virgílio de Paula, Celso Leal, Mário Magno Cardoso (Mário Boy), Cônego Aderbal Murta de Andrade, Pedro Santos e José Alves de Macedo (lá de Coração de Jesus, o mais puro de todos que conheci). Há, por certo, outros nomes, os quais me passam no momento, mas esta vida está pela tábua da beirada.



Como escrevi como um dos prefaciadores do seu livro, Menino pescador, Reivaldo era então caudal melhor deste setentrião à deriva, tratando-se de um filósofo ético-moralista embasado em uma formação moral e cultural - estribada no sacrossanto aconchego do seu lar - que empregava para transmitir nas conversas com os amigos e pela mídia ensinamentos de bem, em contraposição ao mal ruinoso que sói acontecer em toda urbe, como uma proliferação incontida de bactérias.



Mas este falecimento me surpreendeu. Outro dia mesmo estive em sua casa, com a minha sobrinha Tatiana Campos Netto, quando Reivaldo fez questão de chamar os seus fiéis do-mi-rés lançando a eles alimentos pelo quintal. Estava corado e alegre. Depois de um café, Reivaldo presenteou minha sobrinha com um exemplar do seu livro e com uma muda de gameleira, que eu e ela plantamos, já na tarde seguinte, na Fazenda Ovo d’Ema, do espólio de Edmundo Antônio Dias Netto, e a planta já vai se desenvolvendo celeremente.



Mas a morte. Volto ao meu livro, porque nele discuto o que existiu ou existe de pior para a humanidade. Pus a inquisição em primeiro lugar, Stálin em segundo, Mao Tsé-tung em terceiro e Hitler em quarto. Agora, pensando bem, em que pese a magnitude do Mundo Espiritual, o Reivaldo ainda tinha potencial para mais algum tempo no nosso convívio; tanto é vero que, deixada a timidez de lado, pela primeira vez me disse de seus planos para um segundo livro. Pensando cá com os meus botões - expressão tão usual na boca de Simeão Ribeiro Pires -, foram santos Hitler, Stálin, os inquisidores e tantos outros, como os inventores da bomba atômica e os seus lançadores: todos trabalharam na legião da morte. Os maus, os atrasados espirituais, todos não passam de instrumentos da morte.



Enfim, como quer que seja, a  morte só tem força diante da matéria, nada podendo contra o espírito. O espírito de Reivaldo é maior, no lugar melhor do Plano do outro lado e que é eterno. Todos nós estamos nos encontrando sempre. Azar dos que não evoluem. E puta que pariu para a morte, coisa vil e traiçoeira, como sói acontecer às coisas vindas das putas.

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