Marcelo Braga
Escritor
Interessante!
Não há nada mais agônico que a aflição constante numa carta de amor.
Digo isso das manifestações apaixonadas que trazem um quê de romantismo sofredor, bem ao modo ocidental de amar e de se relacionar: o camarada ou a mocinha devem perder um pouco a cor, deixar o prato de lado em pelo menos uma das refeições, encher a casa de suspiros fundos e cortantes, esquecer o mundo, fazer-se notar pela ausência, cantarolar alguma coisa (pouca coisa, vejam bem, para não descambar para a euforia, tão antagônica ao parâmetro citado, nossa paixão demasiadamente avassaladora e egocêntrica, na qual só cabem superlativos – qualquer coisa a menos minguaria em corações enormes e cavernosos).
Nos excertos da carta que transcreverei, o cidadão caprichou um pouco, tentou fugir dos clichês, passar a impressão de que a paixão era um mero pano de fundo, um cenário montado às pressas para ornar um monólogo sobre amenidades.
A meu ver, no que posso estar redondamente enganado, não foi feliz.
Calma, calma!
Não pensem que achincalho o pobre amante. Longe de mim! É belo o texto. Tem uma poesia leve, despretensiosa; como se escrito para ninguém ler... Só não conseguiu se furtar de falar – escancaradamente! – de paixão.
Foi logo quando eu perguntava a ela se não era uma solução. Ou então se ela não achava ser uma solução. Para que ficássemos mais tempo juntos, essas coisas, vocês sabem.
Então, veio uma voz, e ela disse que desligaria.
Concordei e deixei que ela se fosse, desgarrando-se de mim pela segunda vez na última hora.
Bastaria que ela me ligasse da outra linha…Mas quem sabe ela nem tenha se lembrado do segundo aparelho, que jazia sobre o criado mudo, provavelmente pegando carga.
Pensei em ligar para o outro número, mas desisti. Talvez ela preferisse ficar rabiscando em sua agenda ou se digladiando com a mesma saudade que me apertava o peito, apesar da distância.
Nunca consegui entender como um sentimento como a saudade – nascido da falta e da distância, ou de cada uma delas, ou de nenhuma, e, de fato, do passar do tempo, que nos priva de tudo e faz tudo ficar tão longe – pode ser assim, tão antitético e benéfico, na medida em que aproxima na distância e preenche o vazio que ele mesmo cava.
(…)
Foi logo quando eu iria saber o que ela pensava de tudo aquilo, logo depois de lhe dizer que não dormiria sem antes escrever algo para ela. Apenas isso, escreveria algo para ela, sem saber ao certo o quê.
Então, veio a voz e ela teve de desligar. Deu tempo de dizer que a amava.
(…)
Havia ligado para saber se teria jeito de ela vir dormir em meus sonhos, cuidar de meu mundo caótico e andar nua em meio aos meus versos. Mas nem deu tempo de perguntar. Quanto mais de ouvir a resposta. Noves fora: nada; e nada mesmo foi o tempo que ela precisaria para pensar em minhas propostas. Ela, que adora tanto pensar muito para não ter que prometer o que não pode cumprir. E acaba esquecendo que nasceu tão linda que pode fazer tudo o que bem quiser.
Acabei não sabendo o que ela achava, não consegui entender o que a voz dissera; ouvi sua resposta de que me amava e me ligaria no raiar da manhã seguinte. Terminei vindo escrever sobre saudade, desvarios, tempo, amor, linhas telefônicas, caos e uma voz estraga-prazeres, que veio roubar de mim, pela segunda vez na última hora, o amor da minha vida.
E, para provar a vocês que chego a ter razão, no fim da carta, depois da assinatura, o moço classifica a carta como as “reflexões de um pobre apaixonado”.
Ah... essa mania de “empobrecer” a paixão...