Re-encontros

Jornal O Norte
Publicado em 24/03/2009 às 11:56.Atualizado em 15/11/2021 às 06:54.

Waldir de Pinho Veloso



As primeiras notas são próprias para externar que, em razão do que será descrito, não haverá a inserção de nomes reais. Trata-se de uma realidade. Há a omissão da indicação de fontes identificáveis, para preservação da intimidade.



Há cerca de seis anos, alguém me apresentou a um jovem senhor. Ele me disse que já me conhecia por nome e pelo que eu escrevo, pelo que há de publicações em jornais. E disse algo que, para quem escreve, é o melhor pagamento: lê o que eu escrevo. Mais do que isto, disse que recorta o jornal que contém matérias de vários escritores montes-clarenses e as cola em um caderno grande, tipo ata, para releituras e ressignificados. E os meus textos fazem coro aos dos demais colecionados.



Para mim, a honra foi enorme.



Desde então, sempre que me encontro com este jovem, há um cordial cumprimento e ele me questiona sobre novas criações literárias e diz do que ele leu, daquilo que eu escrevi, nos últimos tempos. Há permanente prova de que o que a imprensa publica da minha modesta autoria, ele lê.



No meio do segundo semestre de 2008, vi a pessoa em referência no saguão do Fórum de Montes Claros. Ele encaminhou até mim e conversamos um pouco. A sua abordagem se deu quando eu conversava com um Advogado. O jovem senhor que é assunto falou algumas coisas com a voz enrolada e, sem muita demora, despediu-se.



Como é costume das pessoas questionarem sobre parentesco antes de opiniões contrárias a uma pessoa, o Advogado me perguntou: “é parente seu?”. Eu disse que não e o Advogado comentou que era um absurdo, àquela hora do dia, um homem bêbado. De fato, havia um cheiro de bebida alcoólica exalando daquele interlocutor que participara por um pouco do que falávamos.



Dias após e também no Fórum, o jovem senhor se encaminhou ao meu rumo. Ao chegar mais proximamente de mim, foi-me possível notar que o cheiro de álcool lhe acompanhava. E chegara até mim ligeiramente antes de ele próprio. Ele conversou um pouco sobre literatura e me disse algo que tentarei reproduzir, como se eu tivesse a capacidade de ter gravado tudo o que ele me disse.



- Você pode até perguntar por que eu tomei umas hoje. Eu vou sarar. Voltei a conversar com o meu filho e isso é importante.



E continuou a me explicar, retirando da carteira uma carta que seu filho lhe escrevera. Pediu que eu lesse a carta e ainda quando a minha vista percorria as linhas de uma folha de caderno, ele me explicava detalhes. O filho estava preso por porte de drogas. Anteriormente, ele, o pai, brigara com o filho porque queria corrigi-lo. O filho não concordou com a repreensão e não mais lhe dirigia a palavra. O pai, por trabalhar em uma área que tem grande ligação com os serviços de um Advogado, conseguiu retirar o filho da cadeia uma vez. E, na repreensão, dissera ao filho que se ele voltasse a se envolver com drogas, não faria mais nada para retirá-lo da prisão, pois agora ele sabia que a prisão não era um bom local. E isso, imaginava o pai, já seria uma ajuda na correção da rota.



O filho não se emendou. Continuou sem dirigir palavras ao pai ou lhe responder as suas emissões, mesmo tendo sido socorrido na cadeia pelo pai de quem estava “de mal”.  E voltou a se envolver com o tráfico de drogas. Em discussões, o filho brigou com o pai mais uma vez e desapareceu de casa. Foi preso e declarou que não queria a visita do pai.



Agora, a carta mostrava uma reconstrução da vida. O filho pedia – e eu li isto – ao pai que parasse de beber. E prometia que, que assim que ele, o filho, conseguisse se livrar da cadeia, faria o possível para se libertar do vício.



Em palavras meio duras, não polidas, poderiam ser entendidas como promessas de reconciliação e de recondução da vida. Uma vida normal entre pai e filho.



O personagem ainda me explicou que o envolvimento do filho com o uso de entorpecentes causara tantas discussões em casa a ponto de não mais existir o casamento. Sua filha, antes do filho, se unira matrimonialmente a um traficante e estava sem contato com a família. 



Em resumo, o jovem senhor não tinha mais a filha e a mulher em casa. Não tinha casa. O filho estava preso. Durante algum tempo, tinha a companhia do álcool.



Mas, agora tinha um tesouro guardado na carteira: uma carta do filho, expedida de dentro da prisão, com indicações de um futuro de reconciliação.

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