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Domingo,8 de Junho

Quem foi Marcílio Duarte - por Márcio Adriano Moraes

Jornal O Norte
Publicado em 26/06/2007 às 16:43.Atualizado em 15/11/2021 às 08:07.

Márcio Adriano Moraes *


 


Vim do Sertão, oh, oh, oh, lá do meio da Chapada, canta, Boavista, canta; pois a vista dos cotecquianos não está muito boa para nossa terra. Talvez seria melhor dizer que não está boa com nossos escritores, aqueles que louvam, através da Literatura, a nossa Terna e querida Montes Claros.



As questões da obra Na venda de meu pai, de Luiz de Paula Ferreira, do findado processo seletivo da Unimontes foram, no mínimo, tristes. O pé nos clássicos, ou melhor, o pé no renome ainda está muito bem plantado.



O óbvio, que é privilegiar os pedestais universais da Literatura, prevaleceu até na confecção das questões. Houve perguntas perfeitas como a 16 (grupo 2), que tratou da intertextualidade entre São Bernardo, de Graciliano Ramos, e Dom Casmurro, de Machado de Assis, além das interpretações dos magnos poemas de Quintana. Porém, com relação à obra memorialista do Varzeano Luiz, não houve esse cuidado.



As questões sobre Na venda de meu pai não trouxeram a reflexão que a obra sugere, não mostraram a grandiosidade desse escritor mineiro. O bucolismo, o saudosismo (que dialogam com outras escolas literárias), a metalinguagem, o convite a uma vida simples, a valorização das histórias roceiras foram reduzidas a nomes de personagens. Justo o que Luiz não propôs.



Na última questão de Literatura da prova do grupo 2, o candidato precisava saber, além do tema dos 60 relatos, o nome de, mais ou menos, 83 personagens, fora os anônimos. As referências ao grande Guimarães Rosa que aparecem em pelo menos quatro relatos também foram essenciais. É claro que nenhum professor de Literatura nem o aluno atento negariam a presença intertextual do criador de Grande Sertão, mas forçar o candidato a guardar em quais relatos isso é feito de modo explícito é voltar ao decoreba.



Vamos ser sinceros, dentro de um contexto tão amplo, frisar particularidades é demonstração de olhos que enxergam a pinta e se esquecem do rosto. Afinal, são sessenta relatos, na maioria muito curtos, ora com poucos, ora com muitos personagens. Memorizar todos eles também não é algo sobrenatural, é possível e até interessante. Mas, em uma prova de vestibular, que indicou uma obra que possui temas semelhantes em vários relatos, temas bons, reflexivos, forçar o estudante a lembrar quem foi Marcílio Duarte, Vitorino, é velhacaria.



No ano dos 150 anos de Montes Claros, o amor pela terra natal, por aquela terra que marcou a infância, tão aludido por Luiz de Paula Ferreira, foi esquecido. A única universidade de Montes Claros esqueceu-se de Montes Claros. Em vez de perguntar quem foi Marcílio Duarte, por que não perguntar sobre os traços que a terra natalícia deixa em nossas memórias, como deixou em Luiz de Paula? Talvez uma pergunta assim não seja lá essas coisas, mas, cá entre nós, não seria mais gostosa de resolver?



Está aí uma boa questão para a prova discursiva que, aliás, não trouxe nem no grupo 1 nem no grupo 2, questões sobre Na venda de meu pai. Com todo respeito à Universidade Estadual de Montes Claros, que tanto contribui para o desenvolvimento intelectual de nossa cidade, a prova de Literatura, sobretudo às questões de Na venda de meu pai, poderiam ter sido mais interessantes. Na questão 19 do grupo 1 afirmou-se que, ao se comparar a uma sanfona de oito baixos, o escritor usa a expressão tenho fôlego curto referindo-se ao fato de ser um escritor que não consegue escrever muito bem e ter a mesma repercussão de outros escritores já consagrados. Uma verdade, já que Luiz de Paula Ferreira merece todo o nosso prestígio. No entanto, após uma elevação do escritor, como essa no dia 16 de junho, e só dedicar uma única questão a sua obra no dia 23, é mostrar um paradoxo desnecessário.



* Professor de Literatura do projeto de Educação popular Funorte/Soebras

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