Regin,
Convidado pela Faculdade Pitágoras, turma da comunicação, estou chegando aí nesta terça, 06 de março. A palestra será à noite e vou no vôo de fim de tarde. Depois fico um pouco na quarta para me avistar com Eduardo, meu lado pequeno - o novo eu - roedor de pequi e aturdido de moças. Fico num hotel que nem sei e meu contato é com Letícia Turano. A gente se fala. Dá pra ser prosa rápida e rica.
Afetos,
eduardolima
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QUEM CONTARÁ A HISTÓRIA?
O apetite voraz dos políticos produziu em todo o Brasil, particularmente em Minas, um formidável dano. Em busca de votos e de recursos para manter remunerados seus cabos eleitorais, saíram emancipando municípios, numa farra sem precedentes na recente história oficial. Hoje existem no Estado quase novecentas cidades, dotadas de toda a estrutura administrativa necessária, legalizando cargos, cartórios, favorecimentos, verbas públicas e truques e penduricalhos abomináveis, tudo pela democracia, a que se vilipendia em nome da cidadania e da liberdade.
Certos de que mentiam, enganavam populações incautas, tudo o que os políticos fizeram foi empobrecer distritos que viviam à custa de cidades maiores e sustentáveis. Em razão desta irresponsabilidade criou-se um concerto de municípios que murcham, que já nasceram morrendo, cujas populações massacradas por dificuldades fogem, buscam as grandes cidades, sonho e suplício de pobres e despreparados.
Assim é que Seu Lineu deixou Chiador e foi pra São Paulo comprar rádio de pilha e japona. Chiador era uma estação perdida no mato entre Corinto e Diamantina. E virou cidade pela ganância do deputado indiferente ao seu destino. Pois se até Teófilo Otoni encolheu e Valadares vai se mudando pra América, imagine o jovem menino de Chiador, que nada tem a fazer senão votar de dois em dois anos?
Lá é que ele não fica, pois vai pegar na cachaça e sepultar o futuro na caatinga sendo mais um calango na multidão dos lagartos. Por isso as cidades encolhem. E os seus filhos migram, buscam as metrópoles e nelas se instalam periféricos e prontos para sobreviver a qualquer custo, mesmo degradados. Comercinho, tenho em conta, deve ter diminuído. Cuparaque também. Vejam que Dona Euzébia, Orizânia, Silverânia, Varjão de Minas, Veredinha, Pintópolis, Ipiaçu, Santa Rita do Ituepo, Pingo D’água e Guidoval devem ter hora de despedir.
Na rodoviária, famílias choram filhos que vão embora. Vão estudar em colégio longe, numa cidade qualquer onde se mata e se morre para dividir lugar. O trem de ferro não passa mais em Monjolos e por isso a cidade dorme. E como não há beira de linha, nem meninos se fazem por lá - os casais não acordam na madrugada. A população deve estar envelhecendo vendo as ruas passando e o Prefeito tem uma fazenda e cuida dela, mas não cuida de ninguém.
Há gente com paciência pra viver, gente que come torresmo e toma pinga com erva amargosa e não come nada de lata, só carne na banha. E não nasce ninguém, só bicho, pois os jovens foram embora. A cidade diminui e não há sonhos, nem horizonte, senão o patético horizonte de fim de tarde que fere os olhos da moça com sonhos de casamento. O país cresce, assustadoramente, mas as cidades pequenas minguam, tendem a sumir, a acabar, como acabaram rios que as beijavam. Muitas deixarão de existir e nem a ambição dos políticos há de salva-las.
Cadê Botumirim? E Rodeiro, São Bento Abade, Aguanil, Passa Vinte, Tocos do Mogi, Verdelândia, Frei Lagonegro, Santa Bárbara do Tugúrio, Cascalho Rico e Berizal? Quem contará a história destes lugares, seus dias esquecidos, suas estradas esquecidas, sua gente esquecida? O Brasil vai se transformando. Está virando cidades grandes, das quais nós já fugimos com medo do medo. Não é possível mais o bucólico, o pacato poder observar a vida sem pavor, ler manhãs, ouvir ruídos de mato e bichos no mato. Verticais, os homens são menos brisa e mais ar condicionado. Menos pernas e mais escadas rolantes, elevadores e carros.
Assim, indiferentemente aos anseios dos políticos oportunistas, necessário é pensar um país megalópico. Cidades imensas, problemas imensos e soluções imensas. As pequenas cidades serão apensas cicatrizes no mapa - marcas da dor e do que fomos um dia.