Adilson Cardoso *
No domingo estive colaborando no concurso da Petrobras. Pessoas de todas as partes vieram em busca do sonho de se tornar funcionário público, efetivando-se numa grande estatal. Como todo processo seletivo tem suas burocracias, este não fugiu à regra. Nas entrelinhas, o edital dizia que apenas caneta preta poderia ser usada, sendo qualquer desobediência de total responsabilidade do candidato. Como o hábito da leitura ainda está longe de ser popular como a novela das oito, grande parte desses candidatos não tomou suas precauções.
Assim, começa o drama de uma candidata que, aparentemente vindo de longe, se esforçava para, no pequeno espaço que lhe é de direito, organizar sua imensa sacola trançada de palha de buriti. Ao receber o envelope para guardar seus pertences, teve ciência de que apenas caneta preta e identidade poderiam ficar sobre a carteira. A candidata empalideceu-se, argumentando que todos os concursos que já tentou podia usar caneta azul, mas se esqueceu de que a carta magna do concurso é o edital, este que ela não leu.
Faltavam apenas vinte minutos para o toque da sirene, que soaria como a cabal eliminação da candidata. Perguntou em voz alta e trêmula se alguém havia trazido duas canetas pretas para emprestar-lhe uma. O silêncio se ocupou do espaço, um por um dos candidatos ali presentes a olhava balançando a cabeça lentamente, em sinal de não, um não dolorosamente expresso como um punhal de fogo que vaza a esperança de quem veio de tão longe, sabe lá como chegou até aqui, de que tem abdicado para alimentar o sonho da aprovação no concurso público.
Novamente a candidata, munida de toda coragem que a necessidade dispensa, a voz ainda mais embargada, repete a mesma frase, e ainda acrescentou o que era suspeita, que vinha de longe e mal dormira à noite. O silêncio foi ainda maior, alguém lá no fundo balbuciou alguma coisa de cabeça baixa que não foi possível ouvir.
O tempo engoliu cinco minutos enquanto a candidata olhava para as janelas, para o teto, para os outros candidatos, para nós colaboradores, e perguntava pela décima vez quanto tempo faltava. Sua ansiedade doía profundamente e suas lágrimas desatinaram, Pediu para tentar mais uma vez em outras salas, e saiu em toda a extensão do corredor pedindo a quem visse:
- Me empreste uma caneta preta, me empreste uma caneta preta, me empreste uma caneta preta pelo amor de Deus!
Já se passaram mais cinco minutos e a candidata não tinha mais a quem recorrer. Depois de todos os santos, pedindo um por um nominalmente, apelou direto para o supremo Pai, mas ninguém tinha uma caneta preta.
Voltou desfigurada, ainda mais pálida, com uma cachoeira de lágrimas que banhava o rosto sofrido pela esperança que morria ali... e faltavam outros quatro minutos prorrogados. Dentro da sala, outros candidatos já manifestavam claramente o pesar por ela, olhares se direcionavam a nós como que a pedir que façamos alguma coisa, mas infelizmente, meros cumpridores de normas não têm prerrogativas para tais caridades. E faltavam dois minutos quando, em tom de desespero, em frente à sala onde estávamos um candidato suado que acabara de chegar, também pede a todos os santos e ao supremo Pai, depois de todas as tentativas, para que a coordenação do concurso lhe deixe fazer a prova sem o documento, pois o esquecera em casa. Essa discussão se passava à porta da sala e a candidata presenciava de perto, por estar na primeira fila.
Ao ver o final da luta em que aquele candidato é derrotado, ela dá um grito, ignorando qualquer hierarquia existente:
- Moço, moço, por favor, me venda sua caneta preta!
- Pode ficar para você, já perdi a prova mesmo...
E a sirene tocou para o início da prova.
* Aprendiz de escritor