*Patrícia Gomes
A missão não parecia complicada: utilizar o transporte público para chegar ao trabalho. Depois de alguns anos longe dos coletivos, ela resolveu se arriscar.
Prevenida que é, fez alguns contatos, trocou mensagens, uma ligação, pediu orientação sobre onde pegar o ônibus, que linha, onde descer...
Saiu de casa com uma hora de antecedência, caminhou até a parada, encontrou um espaço no banco para se sentar e ali ficou durante mais de vinte minutos. O tempo passava e ela começava a se angustiar, não gosta de atrasos.
O curioso é que, quando se está atrasado, todos os outros parecem levar vantagem. Ela observou. Uma menina chegou correndo, porque o ônibus já de aproximava. Um rapaz só teve tempo de se sentar e antes de esquentar o banco já fez sinal para o coletivo. Um senhor já chegou ao ponto com o braço estendido. “Aaaah, não... O senhor trate de sentar, porque acabou de chegar. Faça-me o favor. Falta de respeito...”
Só o ônibus dela não aparecia. Ela olhou umas quinze vezes a placa para conferir se ali passava mesmo aquela linha. E os quatro números lá estavam escritos. Ela parecia não acreditar: isso é pegadinha! Alguém quer me fazer raiva. Cadê a câmera? Onde será que esconderam a câmera???
Cansada de olhar para a placa, resolveu perguntar:
- Moço, aqui passa a linha tal?
- Passa! Não demora, ele envem!
Não demora, não demora... Ou aquele senhor é muito paciente ou eu to ficando doida, pensou.
Quando, finalmente, o ônibus chega, ela já está meia hora atrasada. Entra, senta onde dá e rapidamente percebe que essa viagem não vai ser das melhores. Uma criança, quatro ou cinco anos de idade, se diverte chutando a cadeira dela. A mãe, ao lado, não fala nada. Para conter um rompante de raiva, ela fingiu não perceber a bagunça que a menina fazia.
Meia hora mais tarde, lá estava ela, correndo para bater o ponto, mais atrasada do que nunca e certa de que a experiência desagradável nem de longe se comparava ao que vive a maior parte da população, que sacoleja por aí em ônibus lotados, alguns caindo aos pedaços e não tem, ao menos, com quem se lamentar.