Leila Silveira Miranda *
Desde muito jovem, sempre me intrigou ao alguns mistérios, sempre me interessei por certas matérias menos óbvias e que exigiam de mim prolongados momentos de reflexão precoce, na maioria deles sem nenhuma resposta concreta, ou certeza absoluta.... Aliás eram justamente as dúvidas e perguntas que iam surgindo que me fascinavam e que de certa forma me impeliram e ajudaram a procurar estudar, fazer um curso superior, freqüentar uma faculdade, optar pelo caminho do Saber.
Em particular encantava-me a ciência (física e química) e a Literatura (fábulas e ficção), onde me deparava com certos enigmas, que a minha pouca idade e cultura na época não podia entender ou desvendar...
Consumia horas a fio tentando compreender a imiscibilidade da água e do azeite, por exemplo... Porque, mesmo “forçando a barra”, mexendo, agitando, nunca conseguia misturá-los?
Das fábulas, uma das que mais me impressionaram era a da “formiga” que, de sol a sol, sem descanso, trabalhava o dia inteiro, enquanto a “cigarra”, alegre e feliz, se punha só a cantar, sem a menor preocupação com o dia de amanhã....
Perturbava-me também a história do “lobo” que, “senhor da situação”, desdenhava os lógicos argumentos do indefeso e condenado “cordeiro”, apenas para aumentar seu apetite, já prestes a devorá-lo, sem nenhuma reação.
As parábolas, assim como as metáforas utilizam-se dessas figuras e cenários bem demarcados, para fixar alguns “paradigmas” de uma forma mais clara e transmitir sua mensagem , a famosa “moral da história”.
É claro que, como toda e qualquer ficção, não devemos nunca tomá-la ao “pé da letra”, porém, durante muito tempo serviram para orientar, ilustrar, educar e ensinar lições de vida importantes, durante muitas gerações e gerações de leitores, pais e professores.
O que dizer dessas verdadeiras “pérolas” nos dias atuais?
Em que seu conteúdo nos ajuda e nos remete a novas reflexões?
Quem continua usando e acreditando neste vasto acervo cultural e filosófico, legado por mestres do século passado, onde a vida transcorria mais leve, mais previsível, mais devagar....
O que tirar de mensagens destas notáveis obras do século passado, onde prevalecia a era industrial (nos países desenvolvidos) e de pura agricultura nos paises mais pobres, recém-imersos de processos longos de vasta colonização, onde predominava as elites, as castas, os “coronéis”, a minoria “senhora dos meios e modos de produção”.
Como adaptá-las à nova realidade atual, a esta já amadurecida “Era da Informação”, da globalização, do capital volátil, da Internet, do computador, da automação, da comunicação, da democracia, da ascensão das minorias, do clamor das classes menos favorecidas, dos sindicatos fortes, das reformas sociais, da cultura do corpo, do individualismo, da vaidade, do “vale-tudo”, das mudanças a todo o tempo, dos descartáveis, do consumismo exacerbado, do materialismo , dos “G-5”, “G-8”, dos arsenais atômicos, da degradação ambiental, do desmatamento, da corrupção, da violência, desta sociedade pós-capitalista , que de outra forma, com outros contornos, apresenta a mesma contradição, a mesma dicotomia, os mesmos valores díspares, os mesmos e até mais complexos extremos, e em sua versão mais moderna os mesmos personagens, disfarçados ou não, do velho e implacável LOBO e das frágeis e impotentes OVELHAS.
A “chave” para entrar neste cenáculo, a “senha” para sentirmos seu encanto, o “segredo” para abrir este cofre , o “mapa” para encontrarmos o novo “caminhar”, está justamente na procura incessante e desafiante do “Equilíbrio”, do meio-termo, do apaziguamento, da sobriedade, da simplicidade, do desapego, da superação, do dialogar, do meditar, do escutar, do servir, do aproximar, do recolher, do cantar, do observar, do amadurecer, do revigorar...
É claro que cada um tem seu caminho (muitas são as portas e janelas do céu), seus compromissos, suas vocações, seus interesses, suas afinidades, seus amores e desejos.
Não há uma receita única, um dogma radical, uma opção obrigatória ou excludente, ao contrário, cada um deve acima de tudo ouvir a voz de seu coração e seguir sua própria intuição, sem a necessidade de “jogar tudo pra cima”, e ir meditar numa montanha, floresta ou templo, assumindo uma postura completamente contemplativa, embora reconhecendo ainda ser esta uma possibilidade, uma decisão pessoal, que respeito, mas que não é nosso objetivo abordar aqui e agora, neste nosso espaço.
Interessa-me, hoje, refletir sobre nossas preocupações cotidianas, nos instrumentos disponíveis para deflagrarmos um programa de “melhoria continua interior”, um roteiro que possamos incorporar em nossa já “apertada” agenda no sentido de nos conhecer melhor, um canal onde possa entrar mais luz, uma janela onde possamos expandir nossa percepção, consciência e emoções.
Acredito que o primeiro passo é entender que, apesar de nossa natural vocação fraternal , gratuitamente adquirida desde o Paraíso, reside dentro de nós um “Lobo e um Cordeiro”, a Cigarra e a Formiga, o dia e a noite, o brilho e as sombras, que muitas vezes insistimos em negar, ou , o que é pior , só identificá-los nos outros, conforme nossos próprios interesses.
Apoderar-se dessa “dualidade”, saber lidar com ela, reconhecer suas artimanhas, aproveitar sua capacidade “elástica”, “investindo” no que lhe parecer melhor, na direção dos seus mais ambicionados sonhos, na perspectiva maravilhosa de conquistá-los, faz toda a diferença e muda completamente sua maneira de ser, de relacionar, de pensar, de agir, devolvendo numa chuva de graças todo o “poder represado”, restaurando toda a “alegria” contida, restituindo toda a “paz” renunciada, recuperando toda a “esperança” perdida, conquistando a cada passo toda a “prosperidade” reservada para você, num pote dourado, no mágico encontro marcado com seu “arco-íris” pessoal, colorindo definitivamente sua vida de harmonia.
* Psicóloga, professora do Isemoc/ Funorte
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