Leila Silveira Miranda *
Certa vez, atendi um jovem profissional, extremamente competente, com um futuro promissor, ameaçado apenas por uma sutil característica, porém “sentida” por todos e até por ele mesmo .
Todos reconheciam sua liderança e determinação, até admiravam sua dedicação ao trabalho, porém, tinham dificuldade em “achegar-se” dele, comprometendo aquela cooperação espontânea , arranhando sua popularidade, incentivando maledicências, suscitando invejas, enfraquecendo seu magnetismo, e provocando ligeiras críticas aqui e acolá.
Depois de conversarmos e conhecer melhor suas aptidões, crenças e opiniões diversas, investigar seus propósitos e metas e entender seu jeito de ser e de se relacionar, descobri uma “pista” que resolvi aprofundar...
Com seu consentimento, de forma discreta e estratégica, sem que ninguém percebesse meus objetivos, aproximei-me de seu ambiente de trabalho, conversei com seus colegas, subordinado e até seu chefe, e captei a razão de suas dificuldades, confirmando minhas suspeitas iniciais.
Percebi que “sem querer” criava, com sua maneira de agir, falar, exigir, cobrar, coordenar, uma atmosfera “carregada”, e como todo ser humano, possuía seus defeitos, sendo a irritação, a exigência, a impaciência e a intolerância, o seu “calcanhar de Aquiles”, que ardilosamente eram explorados sutilmente pelos seus temerosos mas organizados “oponentes”, que sonhavam com sua queda e conspiravam contra sua hegemonia e esperavam uma “brecha” para “puxar o seu tapete”.
Infelizmente, antes que pudesse antecipar alguma providência, antes que iniciasse um processo de “blindagem” em seu entorno, sua “tragédia anunciada” veio a acontecer alguns dias depois...
Após um novo incidente, onde se exacerbou com um subordinado, que inteligentemente fez-se passar por vitima, afastado do seu cargo de comando , do qual tanto se orgulhava, e deslocado para uma posto de assessoria, sem função executiva, sem a aura do poder.
Indignado, sentindo-se diminuído e humilhado, não suportou a mudança e se demitiu sumariamente, abandonando tudo o que havia construído e conquistado a duras penas na Empresa que amava.
Não sei se pelo sentimento de impotência que senti na época, se pelo potencial desperdiçado por aquela carreira promissora abortada precocemente, este fato sempre me vem à cabeça especialmente pelas lições que retirei daquele episódio.
Foi a partir daí que comecei a compreender certos significados, certos referenciais, certos movimentos e paradigmas que norteiam o jogo do poder, os limites de autoridade, as artimanhas pessoais, e a importância de certos elementos , especialmente o tempo!
Tempo que não tive para ajudá-lo a se conhecer melhor, a re-avaliar seu comportamento, perceber suas fraquezas e dificuldades, rever suas estratégias, e corrigir sua rota.
Tempo que ele aparentemente teve “de sobra”, desde que começaram as primeiras escaramuças e desentendimentos, para que tomasse logo a iniciativa de procurar ajuda , enquanto o clima ainda era mais ameno.
Tempo que dedicou em demasia a analisar, compreender e resolver problemas técnicos apenas, se esquecendo do aprimoramento pessoal, emocional, psicológico e espiritual.
Tempo que, por excesso de dedicação ao trabalho , deixou de dividir os belos momentos com sua família e amigos, “curtindo” melhor a vida , e usufruindo a beleza do existir.
Tempo que devido a sua ingenuidade e onipotência, deixou escapar em minutos todos os sonhos esculpidos longamente em sua alma, esvaziados num segundo de infortúnio.
Tempo que pela sua natureza imprevisível vive a nos “pregar peças”, a nos colocar ”contra a parede”, a nos exigir “mudanças” que insistíamos a adiar.
Tempo que desviou a esquadra de Cabral para descobrir uma nova Terra...
Tempo de uma gestação, tempo de um aprendizado, tempo de uma tragédia, tempo de guerra e tempo de paz, tempo de reflexão, tempo de ir e de voltar como filhos pródigos.
“Foi-se o tempo” romântico dos séculos passados em que a vida e os acontecimentos duravam uma “eternidade”, nos permitindo o ócio, a procrastinação, a indolência....
Com a “globalização”, a informática, a automação, a Internet, os satélites , o celular, tudo ficou mais rápido, mais ágil, mais dinâmico, alinhados no pensamento e modo de ser do próprio modelo capitalista no qual estamos inseridos , onde “time is money”.
Mais do que isto tempo hoje pode significar saúde ou morte conforte a época inicial ou tardia, com que se diagnostica um tumor cancerígeno, uma doença cardiovascular...
Tempo pode significar salvação na rapidez com que se acode um acidente grave numa rodovia, ou o desespero de quem luta por um atendimento precário num corredor de hospital.
Aprendi que com o tempo não se brinca , que tudo tem o seu tempo, e que devemos criar tempo para tudo que nos é prioritário.
Aprendi com ele a importância do planejamento, da agenda, da pontualidade, do sentido de urgência, da delegação, da intuição, da prevenção, e principalmente da fé no “fluir da vida”, já que o imponderável inexoravelmente nos escapa e sequer podemos almejar exercer qualquer tipo de controle sobre ele.
Aprendi principalmente a estar atenta aos sinais que a vida constantemente me telegrafa, a acreditar e batalhar pelos meus sonhos, a não adiar decisões importantes para a minha vida , familiares, amigos e pacientes, a não ficar “sentada à beira do caminho” esperando a sorte mudar.
Concluindo, passei a aprender (como o velho e experiente marinheiro) a respeitar profundamente o tempo, e a ter coragem de lançar-me ao mar com todas as velas a pino tão logo perceba os bons ventos chegando, tão logo escute os primeiros tremores da aurora que anuncia uma nova esperança de vida , paz e alegria , que dou o nome de felicidade!
Faça seu tempo, você merece!
* Psicóloga, professora do Isemoc/ Funorte
leilasilveira@bol.com.br