Prisão dos vereadores

Jornal O Norte
11/07/2006 às 12:59.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:39

Clídio de Moura Lima *

Os fins justificam os meios, ou os meios justificam os fins? até quando se faz a interpretação teleológica deste princípio para se espraiar na máxima jurídica que acentua: “Nem tudo que é lícito, justo é”. Por outro lado, a definição legal de um tipo penal carece de interpretação por vários processos ou elementos: gramatical, ou melhor, filológico; e o lógico que se subdivide em lógico propriamente dito, e social, ou sociológico. O Processo Lógico tem mais valor do que o simplesmente verbal, donde advém o conselho sábio: “Deve-se evitar a supersticiosa observância da lei que, olhando só a letra dela, destrói a sua intenção”. A interpretação é a aplicação da hermenêutica que tem por objeto o estudo e a sistematização dos elementos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões em Direito. Assim se faz necessário para aplicação do Direito, do bom Direito, justo, equânime diante do Direito Positivo, lógico, aplicável à vida real.

Todos os exageros são condenáveis.

Quando e até quando é necessária a segregação do direito de ir e vir de um cidadão, até então de conduta ilibada, colocado em ridículo ou à excrescência, ao escárnio público, preso e algemado, sob fundamento de que o cidadão praticou, conforme indícios – ou seja, elementos indicativos de provas, determinado crime? Quando se justifica tal prisão? A prisão é legal? A prisão é arbitrária? A prisão é justa e necessária? E as algemas, são necessárias mesmo? Todas estas indagações são respondidas pelo bom senso cultivado pela experiência do cidadão comum. É certo, a lei responde tais questionamentos e fixa os seus limites. A presente crônica não tem, nem de leve, o condão de exaltar ou enaltecer o crime – longe está e bem afastada mesmo a apologia ao crime. Discute-se aqui, tão-somente, se a medida coercitiva – a prisão, foi realmente necessária e da forma em que se operou.

Pois bem, guardadas as devidas proporções, diz a lei na forma estatuída na CF – Constituição da Primavera de 1988, no CPPB – Código de Processo Penal Brasileiro; e na Lei nº 7.960/89 que dispõe sobre a prisão temporária, quando e de que forma deve se dar a prisão do cidadão. Outras leis extravagantes contemplam também casos em que deve se dar a prisão de pessoas.

Podemos dizer que tais leis ordinárias tratam de prisão e liberdade conforme a natureza do crime: crime contra pessoas, crime de tóxico, etc.

Os vereadores noticiados pela mídia receberam prisão temporária. Tal prisão tem prazo de 5 (cinco) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade. Aqui cuida a espécie a Lei nº 7.960, de 24/dez/1989. A moldura penal assim o diz: “Artigo 1º Caberá prisão temporária: I – quando imprescindível para as investigações do inquérito policial; II – quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade...” Os vereadores não se enquadram neste dispositivo legal. Assim, a prisão não se pode entender ter sido legal – dentro da lei. O inciso III deste artigo determina a prisão temporária “quando houver fundadas razões...” de autoria ou participação do indiciado noutros crimes e na alínea L “quadrilha ou bando (artigo 288), todos do Código Penal. Afora está alínea, em nenhuma outra das hipóteses podem ser enquadrados os vereadores. E, questionando-se o enquadramento dos vereadores no crime de quadrilha ou bando, a figura legal


exclui os vereadores, porque não houve entre os vereadores associação, em quadrilha ou bando, para cometer crimes. Se crime houve, este se deu isoladamente, de per si. Se crime houve, associação para tanto não se operou. A prisão não pode ser considerada legal, porque está à margem da lei.

As algemas são necessárias?  Responde o CPPB – Código de Processo Penal Brasileiro, artigo 284: “Não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso”.  Foram violados a cidadania e os cidadãos; a sociedade ultrajada porquanto seus representantes eleitos democraticamente foram ultrajados. E mais, finalmente, para questionamento: Poderia ser invadida a Câmara Legislativa Municipal? Esta tem ou não imunidade? A Casa Legislativa tem poder? Ou assemelha-se a qualquer casa comum (Nem pensei na “casa de Joana”). O povão há de pensar, foi armado um circo?

Os fins justificam os meios ou os meios justificam os fins? Quantos meses durou o alegado desvio de verba pública, qual o valor total em dinheiro, divido este pelos meses e novamente divido pelo número de vereadores, quanto em dinheiro cada vereador possivelmente desviou? Tal valor é de monta a ensejar a prisão? E, não sendo o caso, prender por quê? Vale rio de dinheiro suficiente para uma fuga para outro país? E podemos imaginar, diante do valor irrisório do fabuloso crime: tal quantia foi distribuída ao povo, pagando-se os famosos talões de água, de luz, uma ajudinha aqui pra o enterro, etc. etc. o dinheiro desviado foi doado aos pobres e o fato foi “calçado” com qualquer nota fiscal. Que crime bárbaro!

Gente! Vamos votar. Eu voto no Dr. Rosemberg e quero meu médico de volta. Tenho hipertensão, entupimento coronário e sou paciente dele. Estou impaciente. E tome lá: “Libertas quae sera tamen”.

* Advogado. Pós-graduado.


Professor da Unimontes.


Autor do livro Leia o Trem.


No prelo: Trem do Sertão.


E-mail: clidiomou-ra@bol.com.br.

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