Prensa - quem, onde, quando - por Wanderlino Arruda

Jornal O Norte
Publicado em 19/06/2008 às 10:41.Atualizado em 15/11/2021 às 07:36.

Wanderlino Arruda


Do livro Jornal de Domingo – Crônicas - 1982



Não creio que o teatro do Centro de Extensão Cultural de Montes Claros tenha estado mais cheio em outra oportunidade. Também não acredito que outro acontecimento tenha reunido ali um pessoal tão eclético e ao mesmo tempo ligado às artes. Faz bem tempo que não vejo tanta curiosidade nos olhares, um interesse pelo futuro próximo, uma ansiedade crítica. Refiro-me à pré-estréia da pela do nosso colega Reginauro Silva – jornalista – dirigida por outro colega, o Raimundo Mendes – pintor – que, em boa hora, deram o sintético título de Prensa, já como antecipada coação intelectual e social a possíveis assistentes ou espectadores.



Trabalho organizado, a partir de experiências anteriores do Reginauro e dos integrantes do Grupo Tapuia, Prensa é diferente de outras peças do autor e da sua equipe, embora seja subordinada como todas as anteriores ao não isento exame do comportamento individual e coletivo de vivência do nosso tempo. Artista apaixonado, quase sempre amargo, generoso para com as mazelas de nossa humana gente, um sonhador de mudanças, Reginauro Silva deixa agora a cor local, o provinciano, para buscar o universal, a temática propositadamente voltada para as transformações de todos os tempos, sofridas e vividas por diferentes classes e culturas.



Questionadora, autocrítica, simultaneamente objetiva e subjetiva, Prensa quer ser o que pensa que é, julgando representar um laboratório de reflexos paralelos desnudantes de idiossincrasias voltadas apenas e tão somente para o sofrimento da personalidade. A tristeza é a constante verificação do ato de viver e a alegria serve quando muito para temperar o cáustico e azedo das ações pessoais. Pressionadas pela fugacidade do tempo, as criaturas querem e devem aproveitar sem demora (o carpe diem como gosta de dizer a professora Yvonne Silveira) cada mudança de pedras no tabuleiro existencial. O aqui e agora sempre prevalecem, com o sabor e a fome de quem não tem muito o que esperar.



Emaranhadas, imbricadas, as personagens gastam e se desgastam na dura luta da auto-depreciação e do desfiguramento alheio, sem fronteiras e sem respeito humano. Terra de ninguém, o mundo é de todos, devendo a dificuldade ser um patrimônio acessível a todas as camadas, sem privilégios, porque, ao mesmo tempo que alguém está por cima, também está por baixo, sem condições de ser juiz, uma vez que onde o julgador encontra sempre o seu melhor lugar é no bando do julgado. De cabeça erguida ninguém pode ficar, a não ser por fugazes momentos, pois cada indivíduo é indiscutivelmente o melhor alvo da antiprivacidade sempre comprometedora.



Ninguém é livre e a liberdade pessoal é quando muito uma utopia. A felicidade é apenas um sonho.



Imprensados pela prensa da vida e da sociedade, imprensados por valores falsos ou falsificados, imprensados por um deturpado engajamento moderno, jovens e adultos não podem ou não têm condições de pensar no amanhã, nas conseqüências de ações e reações de cada passo dado ou que deixem de dar. A vida então torna-se amarga. É daí, dessa problemática, que Reginauro Silva retira os melhores momentos da peça que o público montes-clarense está vendo e pode ver nos próximos dias. Não é bom perder. Para falar mal ou falar bem.

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