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Sexta-Feira,18 de Outubro

Política agropecuária e emprego

Jornal O Norte
06/07/2006 às 12:37.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:39

Clídio de Moura Lima *

Era assim. Mal trocava as calças curtas por uma calça inteira, calça longa, já era homem. Vai pra São Paulo, menino, pois você já é homem feito. (Mentira, o fedelho ainda trazia na sua virilidade principiante o sebo...). Assim diziam os pais do adolescente para se encorajarem reciprocamente, amenizando a saudade que já nascia. A viagem seria longa, nos paus de arara ou nos trens de ferro. Ser forte é um sentimento nato de quem desde cedo aprendeu a sofrer: e já se sente confortável ao viajar de ônibus comercial. São Paulo, Estado da esperança. Para onde se vai, de há muito para os dias de hoje, cheio de ilusão para um breve regresso cheio de desilusão. Pessimismo! Nem sempre foi assim, falo dos bons tempos, quando o sucesso era sempre garantido: emprego, bom salário, até galgavam cargos de chefia, funções bem remuneradas. Regresso à terra natal com dinheiro no bolso, um terno azul de camurça e um chapéu de feltro ladeado por uma pena. Era o charme da época. Meu filho chegou de São Paulo, está muito bem... É chefe de produção da indústria onde trabalha. Sei o nome certo não: diz que é fábrica de chimica. Chimica é o que mesmo? Eu li no envelope do salário do meu filho, está escrito “chimica” – deve ser coisa de estrangeiro rico, né?

Pois não é que o calça-curta virou homem mesmo! Nem mais conhece seus conterrâneos e nem se lembra de fome, dos trapos que levara para São Paulo. Hoje é homem de respeito. Não é “doutor” mas é mais que doutor. Também, pra que ser doutor? Na ditadura, ser doutor dava cadeia. Porque doutor é sempre falante, metido a saber tudo... Hoje, pouco mudou. Ser doutor é ter desemprego, nostalgia, frustrações... Nem tanto. Ser doutor, como meu filho é, com título de doutor honoris causa, lá da universidade do estrangeiro, famosa no mundo, é coisa muito e muito importante mesmo. Meu filho saiu do a-bê-cê direto para o diploma de doutor honoris causa. E ganha tanto dinheiro que de mim não esquece: deu-me um palácio na Capital do Brasil e me disse mora de aluguel porque quando eu desejar tirá-lo de lá é só votar. Verdade? Ou semiverdade?

Acabou São Paulo. Emprego lá não mais existe. Só ilusão e grande confusão (pra rimar). Mas, temos escolas, faculdades, universidades. Ninguém toma “bomba”. Entrou na faculdade, se formou: doutor. Engenheiro agrônomo, pra tentar outro meio de vida: a agricultura está falida, emprego não há. Medicina veterinária é pra discussão acadêmica, a pecuária está falida. Financiamentos bancários, pra quê? Plantar e perder preço na colheita e não poder pagar o financiamento? O boi vai pro brejo, também. Dinheiro para plantar e colher x por tonelada. Vai dar um bom lucro, de conformidade com o projeto do financiamento. Depois, na colheita, o preço cai de modo a não se poder pagar o principal do financiamento, agora acrescido de juros estratosféricos. E tem a mesma sorte o boi, o leite da vaca. Neste particular, a solução é simples: a produção agrícola e a produção pecuária foram alcançadas conforme o sobredito projeto, de modo que o financiamento deveria ser pago com a produção; mas não é isto que ocorre. O banco quer dinheiro. É necessária e urgente uma eficaz política agropecuária.

E por aí vai; e vão gritos de desesperanças com a agropecuária, cujas terras férteis, safra e semoventes foram hipotecadas pelo banco. Agravada a situação pela iminência de invasão pelos sem-terras que, na sua filosofia de terem direito ao sol (a terras férteis, produtivas, com água e todo apoio de infra-estrutura) fazem e cumprem ameaças de invasão de terras; ainda, sob o fundamento de que, o que é mais grave, se o fazendeiro não pagou ao banco, a terra a este pertence. E o banco é do governo, logo, é nossa a terra que se tornou “improdutiva” por falta de recurso financeiro para atender o compromisso com o banco. Mas, lá estão máquinas agrícolas, plantações, gado e tudo o mais à espera de uma negociação ou renegociação com o banco do famigerado governo federal que nada sabe sobre tais dificuldades.

Eu me perdi nesta crônica. Tanta balbúrdia parece até que eu queria falar mal do setor primário da economia ou dos sem-terras... Nada disso. Os médicos, os advogados e tantos outros profissionais que, com duras penas, se formaram, estão diante da “socialização” de suas profissões. Muito investimento para pouca colheita. Emprego mal remunerado transpirando sub-emprego. E tudo isto já se disse aqui, ali e alhures. Entretanto, necessário se faz sempre repetir alto e em bom tom: O Brasil precisa ser nosso verdadeiramente. Sejamos patriotas, paguemos nossos impostos em dia, mas devemos cobrar seu retorno em investimentos sociais, culturais e com apoio do verdadeiro fomento à agropecuária – setor primário, sem o qual nenhum país progride. Se assim não o é; se assim possível não for, vamos então fazer derrama – ressuscitar o Tiradentes para nova, oportuna e necessária Libertas quae será tamen. Sem exageros. Invoco e me protejo sob o princípio do estado democrático de direito. As eleições vêm aí. Vamos votar para tentar mudar.

São Paulo foi o eldorado. O Brasil já teve empregos para todos. Esmagada está a classe média (ou já sumiu), a pequena classe social recebe minguado pão (ou esmola?). A classe social alta – os banqueiros, ah! Estes sim, ganham tão bem que já dispensaram seus empregados para contratar seus próprios clientes para utilizarem seus bancos, sob pagamento de tarifas. É! Talão de cheques é pago, saques ou depósitos de dinheiro, de pagamento de duplicatas, boletos e etc. tudo pelo caixa eletrônico, é tudo pago pelo cliente que assim trabalha para o banco, pagando pelo que utilizar.

Tudo é assim, desta forma; somando tudo, temos perplexidade; mas, não era assim.

* Escritor e professor universitário

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