* Aline Louise
Fui criada na casa das sete mulheres, eu, mais três irmãs, minha mãe, minha avó e Maricota. Meu pai, que é um homem com sensibilidade feminina, sempre foi minha única referência do universo masculino. Portanto, futebol nunca foi um assunto sobre o qual eu pudesse falar com propriedade. Mas eu me formei jornalista e não sou de fugir de desafios. Certo dia, o coordenador do departamento de esportes da Rádio Inconfidência, onde fiz minha trajetória em rádio, me convidou para dar uma “mãozinha” para sua equipe, que andava desfalcada. Era simples, cobrir jogos somente aos finais de semana. Aceitei a tarefa.
Meu chefe sabia que estava fazendo algo inovador e arriscado. Inovador por colocar mulheres (eu não fui a única) para fazerem reportagem radiofônica de futebol. Arriscado por que éramos inexperientes. Pra começar, fiz um pequeno estágio acompanhando meus colegas repórteres numa jornada esportiva. Meu chefe me deu um toque:
“Aline, somos uma rádio pública, podemos experimentar coisas novas. Podemos também administrar o erro, mas você precisa falar com o tom pra cima, no ritmo do locutor”
Em rádio, o tom e a frequência da narração são fundamentais. E já repararam como os locutores de rádio falam com uma certa euforia? É preciso deixar a narração emocionante, mesmo que o jogo não esteja lá essas coisas.
Então, fui eu para o estádio. Microfone numa mão, bloquinho de papel na outra, com um esquema básico do campo, um desenho mesmo, com indicação dos nomes das áreas, o número e nome de cada jogador. A tensão e a atenção redobradas. Fone de ouvido no talo pra acompanhar tudo que o locutor dizia e não ficar perdida quando ele me acionasse. Ali, de trás do gol, eu não tirava os olhos da partida. Comecei meio insegura, sem inventar muito, mas fui me soltando. Certo dia me enchi de confiança. O jogo estava quente e, de repente, bola na trave. Eu estava empolgada e resolvi florear no linguajar “futebolístico”. O locutor grita:
“Que lance é esse, Aline! Na trave!”
E sigo eu:
“Pois é Émerson! O jogador veio em velocidade, pelo centro da grande área, limpou o lance e deu um chute no “paaaauuuuu” do goleiro.
Graças a Deus que eu mesma não percebi a gafe, então não fiquei nervosa e pude terminar o meu trabalho. No dia seguinte, chego na emissora e percebo um burburinho. Meu chefe passa a mão pelo meu ombro e diz.
“Vem cá pra ver as indecências que andam falando nessa rádio”.
Estavam reprisando no ar o fatídico “paaaauuuuu do goleiro” e todos se revirando de tanto rir. É, se eu tivesse parado no “paaaauuuuu” estava tudo certo! Pelo menos a experiência serviu para me despertar para o mundo do futebol.
