Eduardo Lima *
Para roupa branca, anil Collman. Para golas e punhos, sabão de côco. Em panelas, Minerva, em barras, depois Sapólio Rádium. E a cultura global não havia chegado. Tanto é que a Antarctica era cerveja Portuguesa e se servia em casco verde e se acumulava nas pesadas geladeiras de porta de madeira. Com a exigência do cliente vigorou induvidoso, o casco escuro. Tudo era muito simples, não havia tantas marcas para os produtos o que tornava toda escolha fácil - ou óbvia. Lâmina, Gillete. Esponja, Bom Bril. Cera, Parquetina.
A vida seguia sem sustos. Televisão não era esta maquina doida; incipiente, caminhava tímida a serviço das lojas afamadas das grandes capitais; Masson, Embrava, Ponto Frio Bonzão e produtos populares tais como Biotônico Fontoura, Emulsão de Scott e Pomada Minâncora. Não existia Modess ou modernismos íntimos, tais como camisinha e lubrificantes. O mais abusado era mesmo vaselina e Tetrex.
O mundo era maior, muito maior do que é hoje. Tudo demorava a chegar. Até o trem de ferro demorava, a carta da moça demorava, o avião da Real, a ambulância do SAMDU, tudo demorava a chegar. Beatles chegaram tarde. O mundo era mais longe do mundo. O mundo era um tantão de porteira. Não havia telefone, nem satélite, só rádio, um rádio chiando na sala.
Assim o Brasil era outro país: caipira, autêntico. No interior ouvíamos músicas de lá. O rádio não nos entupia de lixo. Falávamos nossa língua. Aqui mesmo, em Montes Claros, havia uma só grande farmácia, a Drogaria Americana e os meninos não mascavam chicletes, tomavam Guaraná Luna ou Corby, ambos um xarope insosso e com pouco gás. E mesmo assim, nunca fomos melhores do que somos. Éramos a mesma coisa, em busca de novidade e entendimento.
Todos queríamos o mundo, desafiar a distância e o tempo. Por mim eu queria voar e seguir, ir mais longe, conhecer quiçá uma cidade com neve e umas moças sardentas. Saber ler noutra língua, ouvir canções e compreender. Hoje deve ser muito bom ser menino, pus-me a pensar. Hoje tem pipoca de micro ondas. Tem desenho na TV e avião ligeiro. Tem videogame, jogos eletrônicos, antibióticos e mulher pelada. Tem novela das sete. Tem gibi na banca.
Tem papagaio pronto na esquina e água gelada. Tem pizza na porta, McDonalds, sorvetes variados e gordura hidrogenada. Hoje é muito bom ser menino. Tem cinema e shopping, tem parque eletrônico, guaraná Antarctica e Coca Cola. Coca Cola que faturou neste ano, ate agora, três bilhões e quatrocentos milhões de dólares. E há quem diga que o nosso tempo era melhor. Do nosso tempo o mais gostoso, quase tanto quanto refrigerante gasoso, era jogar finca depois da chuva. Bom demais é hoje e Coca Cola. Basta perguntar aos meninos.