Raphael Reys
O número 1 do clã dos Amorins, pai da nobre estirpe de Sinval, Ataene, Zé Amorim, Bem-Pau-Véi, Tuca e de Dô-Meu-Fã, as moças de família não fazem parte deste relato. Ele adotou o nome de Pedro Montes Claros como uma homenagem a esta cidade.
Sinval construiu o edifício Pedro Montes Claros, com o nome do pai gravado na fachada, situado na confluência das ruas Presidente Vargas e Doutor Veloso, em frente ao Conservatório estadual de música Lorenzo Fernandez, antiga sede do extinto Clube Montes Claros. Tudo no tempo em que se amarrava cachorro com lingüiça e em que os viventes eram temerosos das iras de Deus.
O seu salão de oficial barbeiro era situado na mesma Rua Dr. Veloso, no Centro. Alma campesina e reta, Pedro Montes Claros trabalhava vestido conforme os modelos rústicos da época: calças de brim Triunfador, paletó jaquetão azul com um lencinho de seda no bolso, chapéu Ramenzoni aba larga, botas de cano longo, cabelo fixado a Gumex, cinturão de couro cru com fivela de prata 20; na cinta, um estojo de couro com um bom canivete Solinger.
No bolso da algibeira, uma tabaqueira de cobre com um bom rapé. Como era funcional e prático nos seus afazeres profissionais, introduzia na boca do cliente masculino, sentado à sua cadeira de ofício, uma grande bola de pingue pongue, visando melhor escanhoar os pelos do rosto. Sendo um apaixonado por montarias, certo dia, ao fazer a barba de um cliente, saiu à porta para ver passar um alazão bom de trote.
Solicitou ao cavaleiro que conduzia a montaria permissão para dar uma volta no quarteirão, no que foi atendido de bom grado. Deixou para trás o freguês com a bola entalada na boca. Este, vendo a demora do barbeiro, saiu suando em busca de socorro. Na tentativa apressada de extrair a peça, quase rasgou a própria boca...
Pedro gostava de pitar um cigarro de palha e, para isso, montara num canto da sala uma escarradeira, o que era moda nos anos 30, construída de um grande ladrilho cerâmico posto sob um montículo de areia grossa. Raspava a garganta com grande espalhafato e dava a cusparada certeira no aparelho.
Um cliente que, assim como ele, fumava um paieiro com encorpado fumo sergipano, e que também tinha voz de trovão, raspou a garganta, fazendo tremer as paredes do salão e, ato contínuo, rumou à escarradeira para concluir o intento.
Pedro atalha o cliente, segurando-o pelo braço, leva-o para a rua e lhe explica:
- Desses grandes, compadre, tem que ser aqui fora! Lá dentro encarde as paredes...
Sinval Amorim, seu filho, encontra-se com um amigo que lhe diz:
- Como vai, Sinval? Olha que barulho de trovoada. Parece que vai chover grosso.
Sinval responde:
- Não é trovoada não, é papai e Matias Peixoto que estão raspando a garganta e gritando na rinha de galo aqui perto.
E arremata:
- Os dois juntos parecem trovoada mesmo...