Mara Narciso
Médica e acadêmica do curso de Jornalismo da Funorte
As nossas pedras planetárias e seus estimados cinco bilhões de anos sempre nos intrigaram, a ponto de, por todos os séculos humanos nos referirmos a elas como símbolos de resistência e eternidade. A religião está cheia de referências às pedras, assim como os ditados, óbvios ou não, que pretendem ser puras verdades.
Quando nos encontramos com alguém que não vemos há tempos e o estamos procurando, falamos o previsível “Se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé”. Minha mãe tinha pavor de hanseníase, porque conheceu alguém que faleceu dessa doença. Então, gostava de falar que Jesus disse (?) a São Pedro: “levanta-te dessa pedra, porque há dois mil anos, aí se sentou um leproso”. Ela duvidava da frase, ouvida desde menina, mas a repassava. Está na Bíblia que Cristo falou: “eu te digo Pedro, tu és pedra, e sobre esta pedra, edificarei a minha Igreja”.
Não quero falar do apedrejamento de pessoas no oriente médio. Mais uma vez, as pedras estão lá, como referência de prêmio ou castigo. Também não falarei dos pedreiros, que hoje, pouco trabalham com pedras, mas ficou o nome da profissão. E mal comentarei o ditado preconceituoso de que “cativo de padre enquanto descansa carrega pedras”. Mas a oralidade eterniza informações.
Ao nos decepcionarmos com alguém, que nos prometeu muito e nos causou dissabor, podemos lamentar com o clichê: “pensei que era pedra preciosa, mas não passava de pedra falsa”. E para selarmos o nosso amor, em cima da intrigante indestrutibilidade das pedras, presenteamos com jóias, que podem ter pedras, ou quem sabe diamantes? Vamos passar, mas o significado de uma pedra é para sempre. Esses minerais poderosos alcunharam o bandeirante Fernão Dias Pais Leme de “o caçador de esmeraldas”.
As edificações humanas, quando bem construídas, ou mesmo pessoas corajosas, são comparadas às pedras: “firme como uma rocha”, palavrinha esta, que também veio a denominar famílias, em maiúscula, ou seja, Rocha, ou também como marca de panelas, por exemplo, Rochedo. A intenção nesses casos é associar as qualidades minerais de durabilidade ao que é apenas humano.
A fraqueza também poderá ser associada às pedras. No caso do transtorno mental, atribui-se jogar pedras como fator determinante de fragilidade: “doido de pedra”. Mas também de força e de coragem: “por ele, sou capaz de arrancar pedras com as unhas’. Ou ainda, “sou capaz de mover montanhas por essa pessoa”. E também pode significar incômodo e desconforto: “você é uma pedra no meu sapato”. O que não chega a ser um drama, mas que não dá para continuar sem retirar aquele estorvo, que machuca os pés, mas muito mais a alma.
Os seixos, pedras lisas e arredondadas dentro do rio, que depois de chacoalhadas umas contra as outras por milênios, são usadas para indicar sabedoria advinda das experiências da vida. Os atritos vividos servem para aparar arestas e nos ensinar a sermos gente. A valorização do desapego nos é ensinada com “pedras que rolam não criam limo”. Nessa mesma onda ouvimos que “até as pedras se encontram”, quanto mais pessoas. As estáticas rochas, nessa toada, são mostradas como mutáveis e até moventes, para, comparativamente nos dizer que devemos mudar sim, que a rigidez é boa nas rochas. Em nós, a firmeza seria melhor.
Quando há uma reviravolta, uma mudança radical em algum fato, ou um acontecimento inesperado, quase um desmoronamento, dizemos que “não ficou pedra sobre pedra”. Sem esquecer a tradição de nos considerar todos como pecadores: “quem não tiver pecado, que atire a primeira pedra”.
As rochas, com o seu mutismo, com a sua durabilidade eterna, nos ensinam que podem existir pedras no meio do nosso caminho, ou ainda, pode haver indicação sobre onde é o caminho das pedras. Cumpre a nós fazermos a escolha: tropeçamos nelas, os obstáculos, e caímos, ou pisamos em cima delas para subirmos e atingirmos o topo?
Todos sabem que lá do alto a paisagem é deslumbrante!
Nota: A expressão popular “pernas, pra que te quero” usada no título de forma adaptada, é gramaticalmente incorreta, significando a ação de fugir correndo ante um perigo.