Para quê ser modesto?, por Marcelo Russio

Jornal O Norte
Publicado em 05/01/2007 às 09:58.Atualizado em 15/11/2021 às 07:54.

Olá, amigos.





Fim/começo de ano é tempo de retrospectivas e de poucas notícias no esporte. As especulações e as notícias sobre os mais variados esportes e fatos começam a aparecer nos cadernos de esportes e nas capas dos sites, que diminuem, obviamente, o número de páginas e de atualizações durante o dia.





Entretanto, um fato neste fim de ano me chamou atenção: a forma com que os veículos de imprensa trataram o mineiro Franck Caldeira, vencedor da São Silvestre de 2007, dias antes da prova. É fato que, como dizia o meu mestre maior, Nélson Rodrigues, o brasileiro sofre de um complexo de vira-latas incurável. Vez por outra, conquistas históricas nos tiram esse sentimento por algum tempo, mas ele sempre acaba voltando.





Ao contrário da imprensa de outros países, como os EUA, por exemplo, que dá um caráter quase épico a personagens que falam com todas as letras “SEREMOS CAMPEÕES”, no Brasil essa frase, dita por algum esportista, é lida com aquele ar de “tá falando antes da hora”. A previsão da tragédia passa a ser o prato do dia, como se, bem no fundo, se desejasse que o sujeito quebrasse a cara apenas para vermos como ele reage diante de uma pretensa “lição de humildade”.





Lembro que, em 1994, com os NY Rangers amargando uma fila de 54 anos sem vencer a NHL - a liga profissional norte-americana de hóquei sobre o gelo - o canadense e cracaço Mark Messier convocou uma coletiva e disse, com todas as letras, que o Rangers não perderia a sétima e decisiva partida das quartas-de-final para o New Jersey Devils, se não me engano. A declaração foi capa de todos os jornais - inclusive do sempre sisudo New York Times - e o tratamento da matéria foi quase de idolatria a Messier, que acabou cumprindo a promessa e liderando a equipe à vitória contra o Devils e, depois, ao título histórico após mais de meio-século sem levantar a cobiçada Stanley Cup, fazendo o gol da vitória contra o Vancouver Cannucks, do russo Pavel Bure, também na sétima e decisiva partida.





Guardadas as proporções, li e vi na última sexta-feira Franck Caldeira dizendo que seu maior adversário na São Silvestre de 2007 era ele mesmo. Ele tinha confiança em si mesmo, e não se importava se os quenianos e brasileiros mais fortes não competiriam. Segundo Franck, pelo seu momento atual, ele venceria mesmo se todos estivessem lá.



Após esta matéria, o mineiro acabou sendo tratado como pouco humilde e inexperiente, por ter declarado o seu favoritismo. O famoso “pé atrás” reina não só na nossa imprensa como também na nossa cultura. Gostamos de vencer sem ter a pressão pela vitória, para provar que nos superamos ou sei lá mais o quê.





O fato é que Caldeira venceu a São Silvestre com o pé nas costas, fazendo um excelente tempo e dizendo, ao fim da prova, que correrá a maratona no Pan com chances de levar a medalha de ouro.


Dou os parabéns ao Franck e àqueles que trataram as matérias com o sabor de se valorizar um sujeito que acredita em si mesmo, prova que tem qualidade e talento, não tem vergonha de se exaltar, e que não é nenhum criminoso por isso.






E louvo novamente o mestre máximo Nélson Rodrigues, por ter detectado esta, assim como muitas outras facetas do brasileiro de forma tão sublime, simples e definitiva. Tomara que, um dia, possamos nos orgulhar de sermos bons sem sermos taxados de soberbos ou de lunáticos.



* Marcelo Russio é jornalista esportivo, trabalha com internet desde 1995, quando participou da fundação de alguns dos primeiros sites esportivos do Brasil, criando a cobertura ao vivo online de jogos de futebol. Foi fundador e chegou a editor-chefe do Lancenet e editor-assistente de esportes da Globo.com

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