Antônio Brasil *
Tinha jurado que não iria me envolver nessa discussão sobre o Jornal dos Simpsons. Perdão. Quero dizer, o Jornal Nacional. Mas não pude evitar. Para um crítico de televisão dedicado a discutir a paixão pela TV e pelo telejornalismo, me causa espanto a falta de comunicação entre os jornalistas de TV e os professores de jornalismo e comunicação. Ficou evidente que a chefia do JN e os professores da ECA-USP não falam a mesma língua. Mas também pode ser que tanto os jornalistas como os professores desconheçam os principais interessados nessa polêmica: o público do JN. Afinal, quem seria esse tal espectador médio do maior telejornal do país?
Há muitos anos tento convencer os nossos leitores de que jornalismo de TV é coisa séria. Merece pesquisas especializadas, competentes, e, principalmente, independentes. Confiar cegamente nos números, avaliações e perfil de audiência fornecidos por uma única empresa privada, o todo-poderoso e misterioso Ibope, pode conduzir jornalistas e professores a cometer grandes erros e injustiças. Repito. Pesquisa de audiência de um telejornal tão importante para o país como o JN deveria ser transparente e acessível a todos os interessados. O problema das pesquisas do Ibope é que elas são pagas e controladas somente por uma das partes interessadas: as TVs brasileiras.
Então, tudo bem. Caso esse achismo seja realmente verdadeiro. Vamos para o segundo ponto da questão. Para que serve um telejornal com grande audiência em um país como o Brasil?
a. Privilegiar, satisfazer e não incomodar o telespectador médio, o tal Homer Simpson, Jeca-Tatu ou Zé Povinho. Tanto faz.
b. Ignorar os demais segmentos da sociedade.
c. Obter lucros para os empresários do setor.
d. Informar.
e. Educar.
f. Todas as questões acima.
g. Nenhuma das questões acima.
Em verdade, o que estamos discutindo é o modelo de TV e, principalmente, o modelo de telejornal para a sociedade brasileira. TV é uma concessão pública com licenças renováveis em função de monitoramento e avaliações independentes. Jornalismo de TV não é mais um simples item da programação. É parte do contrato entre empresários e o público para uma prestação de serviços obrigatória à comunidade. Cabe, pois, ao público, e não aos editores-chefes, empresários ou professores identificar o perfil do telespectador médio e decidir o conteúdo dos nossos telejornais.
Assim como a sociedade brasileira em boa hora se mobilizou contra a baixaria na TV e passou a exigir um monitoramento de conteúdo, creio que deveríamos aproveitar esse momento para começar a “monitorar” de forma independente e isenta o conteúdo dos nossos telejornais. O nosso modelo de televisão e, principalmente, de telejornalismo ainda está baseado em um modelo político pouco transparente, centralizador e autoritário.
Em diversos países, como a Itália, o Reino Unido e até mesmo nos EUA, diversas organizações independentes se dedicam a monitorar e avaliar diariamente o conteúdo dos telejornais. Assim como diversas empresas privadas de vídeo clipping gravam todos os comerciais para seus clientes, instituições independentes deveriam gravar os conteúdos de nossos telejornais e emitir avaliações. Essa prática talvez seja uma boa forma de aproximação entre os anseios e preconceitos dos professores universitários com os interesses ou limites dos jornalistas de TV.
Assim como o IBGE pesquisa da melhor forma possível o perfil da sociedade brasileira, deveríamos desenvolver uma metodologia independente para identificar o espectador médio de nossos telejornais e o conteúdo dos nossos telejornais.
Caso contrário, nos tornamos reféns de pesquisas secretas ou achismos que passam a justificar o comodismo da mera liderança de audiência. Se o espectador médio dos nossos telejornais é mesmo o tal Homer Simpson, o JN não precisa mudar jamais. Está perfeito. O problema é que o espectador médio pode não ser o tal Homer Simpson. Além disso, pode ser que esse espectador médio não esteja satisfeito com o telejornal. Assiste simplesmente por falta de opções. Os outros telejornais seguem o mesmo modelo e conseguem ser piores do que o JN. Logo, pode ser, repito, pode ser que o Homer Simpson assista fielmente ao JN. Mas também pode ser que ele assista, mas não esteja satisfeito com o que assiste.
Pesquisas improvisadas, meio secretas, feitas para agradar a quem paga, podem distorcer o conteúdo, condenando o futuro dos telejornais brasileiros. Afinal, se a comparação do espectador médio do JN com o Homer Simpson não foi somente uma brincadeira infeliz, quais seriam esses dados que permitem ao editor-chefe do JN identificar o telespectador do JN com um determinado personagem de desenho americano, o Homer Simpson? Freud explica.
Não há coincidências ou meras brincadeiras. Esses comentários revelam sempre um conceito estabelecido, um preconceito que acreditamos por algum motivo ser a verdade. Na falta de provas adequadas, investigações minuciosas, os jornalistas tendem a acreditar no seu faro jornalístico. Esse faro, um dos maiores e mais preservados mitos da profissão, justifica tudo. Da escolha de uma pauta ao perfil do telespectador. Os jornalistas privilegiam a cultura da experiência sobre a cultura da pesquisa e experimentação. Afinal, jornalismo pode ser arte. Mas, certamente, não é ciência. Então, vale tudo. Vale mais o faro dos mais poderosos. Faro jornalístico se torna a verdade assumida da redação.
O problema é que essa tal verdade jornalística pode estar baseada somente em impressões pessoais, achismos ou meias-verdades. Ou seja, assim como achamos que todo o brasileiro gosta de futebol, carnaval, cerveja, bate-papo, é boa-praça, não é racista, também acreditamos que o tal brasileiro médio é meio preguiçoso, chega cansado em casa, não quer saber de notícias aprofundadas e adora um telejornal no estilo Simpson. Assim como os preconceitos, pesquisas apressadas e mal-feitas podem distorcer a realidade. Assistir a um telejornal hegemônico, líder de audiência há tantos anos, pode ser mero hábito. Não significa necessariamente gostar, acreditar ou aplaudir o seu conteúdo. Talvez o Homer Simpson assista ao JN por total falta de opções.
* crítico de TV
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