Délio Pinheiro *
Sempre que volto a Serranópolis de Minas, minha terra, me surpreendo mais e mais com os ares de progresso que o asfalto está trazendo para a cidade, e que poderá representar a redenção definitiva do município, graças a sua vocação turística e seus rios cristalinos, cachoeiras e pinturas rupestres. Mas desta vez não foram esses dois assuntos, asfalto e turismo, que me apeteceram. Na verdade eu me apaixonei pela recém adquirida biblioteca da cidade. Depois de muitos trâmites, desentendidos e comprovações, Serranópolis foi premiada com mais de dois mil livros novos, entre os quais se destacam as obras completas de García Márquez, Borges, Drummond e Oscar Wilde, para citar apenas alguns que manuseei com prazer e curiosidade numa rápida visita nesta minha última incursão por lá.
A bibliotecária Zilma, que, por sinal, é minha tia, cuida deste valioso tesouro e passa o seu dia cercada por Vinicius, Cecílias e Nerudas. Ela está na fase da catalogação dos acepipes literários recém chegados. Um trabalho que poderia ser maçante se não fosse um detalhe importante: “Eu vou catalogando e aí chego a um livro que me chama a atenção, então o jeito é parar e ler um pouco”, diz minha tia, que agora também é caloura do curso de letras em Porteirinha.
A rua em que se localiza a biblioteca não é das mais movimentadas da cidade, aliás, nenhuma das ruas por lá é agitada, o que é um dos encantos do antigo arraial de Jatobá, mas Zilma espera a conclusão das obras da nova prefeitura, onde a biblioteca passaria a ter uma sala ampla e nova para acomodar mais adequadamente os livros. O escritor João do Rio escreveu certa vez: “Oh! Sim, as ruas têm alma. Há ruas honestas, ruas ambíguas, ruas sinistras, ruas nobres, delicadas, trágicas, depravadas, puras, infames, ruas sem história, ruas tão velhas que bastam para contar a evolução de uma cidade inteira”. Isso Zilma talvez ainda não saiba, mas a simples presença da biblioteca naquela ruazinha sem grandes encantos já a torna a rua mais importante de Serranópolis, onde o conhecimento, o encantamento e a arte maior de Machados e Eças está à disposição para quem quiser ter uma vida menos previsível.
No dia em que encontrei esse pote de ouro no fim do arco-íris, lembro de ter chegado empolgado em minha casa, já imaginando que nas próximas férias ocuparia meu tempo com os papos amistosos, com as peladinhas no fim da tarde, com os passeios na serra e na barragem do rio Mosquito e com as visitas à biblioteca. Eu mencionei a riqueza dos livros para minha mãe e a empregada de minha casa, a Ana, que é praticamente como alguém da família, disse que seu filho Wesley adora ler e que já beirou a biblioteca algumas vezes tentando vencer sua timidez, mas que ainda não tinha tido coragem de entrar. Vale ressaltar que o Wesley é afilhado de minha tia Zilma, e mesmo assim ele ainda não lograra êxito em suas investidas. Depois de passar algumas vezes nos arredores da biblioteca, à espera de um sinal de aprovação de sua “dinha”, Leizinho, como é conhecido, sempre voltava para casa, sem conseguir vencer a esfinge de sua timidez.
Tenho certeza que Zilma lerá essa crônica. Assim ela saberá que basta um sorriso acolhedor para o pequeno Leizinho descobrir os encantos daquela sala mágica. E espero também que outras pessoas em Serranópolis leiam esse relato e possam freqüentar assiduamente os bancos confortáveis da nova biblioteca, e se deixar conduzir por Macondos empoeiradas e Veronas líricas tendo os grandes escritores da humanidade como cicerones. E se você quiser saber onde fica essa biblioteca em Serranópolis, saiba que ela se localiza no número 14 da humilde rua Feliciano José dos Santos, doravante apelidada de “rua da imaginação”.
* Cidadão serranopolitano
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