Ao contrário do que ocorreu nas áreas de mineração, a região dos currais da Bahia não teve povoamento intensivo nem se caracterizou pelo surgimento de uma rede de cidades articuladas à atividade econômica que nela se desenvolveu. Não foi a fixação, mas antes o trânsito, a principal marca da região, tanto pela comercialização de produtos como pelo deslocamento dos animais. Levando-se em conta que a produção literária pressupõe a existência continuada de alguma concentração de população, tanto como elemento primordial para o surgimento de conflitos, como pela necessidade de público letrado para a produção e o consumo das obras, a inconstância, ou antes, a mobilidade da ocupação na região dos currais da Bahia não favoreceram o surgimento de obras que retratassem os processos que nela transcorreram em seus primeiros tempos.
Vários autores mencionam a região dos currais da Bahia como exemplo do que era percebido, em fins do Século XVII e ao longo do Século XVIII, como sertão pela população residente nas minas gerais, tanto pelo fato de estar distante e não possuir vilas governadas por representantes da Coroa portuguesa, quanto pela imagem de área fora do alcance dos rigores e controles da lei (CUNHA; GODOY, 2003; CARRARA, 2007). O declínio na função de abastecimento de gado para as minas gerais ainda em meados do Século XVIII, em decorrência do surgimento dos campos de vacarias em Rio Grande de São Pedro (atual Estado do Rio Grande do Sul), não determinou a total desarticulação da região, que ainda permaneceu como importante contato entre Minas e Bahia, através do São Francisco. Manteve-se, no entanto, a fraca densidade populacional marcada pela concentração do povoamento junto às margens do rio e a dispersão de fazendas de gado ao longo das terras que o margeiam.
A presença do rio e toda a vida de relações que ele engendra, do gado e dos vaqueiros, assim como a convivência com a impunidade, tanto quanto com as injustiças muitas vezes praticadas pelos representantes do poder estabelecido, permaneceram como características da região e surgem nas tramas de romances que não tiveram a pretensão de retratá-la, mas de falar do sertão. Um certo sertão, percebido como lugar de homens que amam a liberdade, mesmo estando em permanente fuga, lugar de buscas interiores, de perigos e descobertas. Lugar de paisagens belíssimas e inesquecíveis. Esse sertão, com o qual a região dos currais da Bahia esteve associada durante mais de um século, e que dela guarda várias características, está retratado em obras clássicas da literatura nacional. Talvez a mais clássica delas - Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa - seja também a mais emblemática dessa região.
Estão nela presentes o rio, os chapadões, os jagunços, o gado, as grandes distâncias sem povoamento algum. Estão também as disputas dos fazendeiros da região, entre si e com os poderes do Estado. Mantém-se viva a relação do norte de Minas com a Bahia, surgida nos primórdios desse povoamento. Enfim, para os que não conhecem, grande parte do Grande sertão: veredas espraia-se pelo norte de Minas e passa pelos currais da Bahia, ainda que se possa sempre discordar da localização do sertão.
Outra obra indispensável para se conhecer a região dos currais da Bahia é o romance de Petrônio Braz, Serrano de Pilão Arcado: a saga de Antônio Dó, que conta a vida desse vaqueiro baiano que se criou em São Francisco, no norte de Minas, às margens do grande rio, e se tornou jagunço para fazer justiça pelas próprias mãos, depois de roubado e humilhado por autoridades locais. Para aqueles que se derem o trabalho, e o prazer, de ler os dois romances - Grande sertão: veredas e Serrano de Pilão Arcado: a saga de Antônio Dó será interessante fazê-lo tendo à mão as cartas topográficas referentes às áreas percorridas por Riobaldo e Antônio Dó. Há grandes descobertas nos itinerários das duas personagens, principalmente no que diz respeito ao Liso do Suçuarão. A notoriedade de Antônio Dó muito se deveu à sua capacidade de fugir das perseguições policiais, além do próprio fato de que fosse vítima de grandes injustiças. O cenário de suas fugas sempre envolveu os chapadões do norte de Minas, oeste de Goiás, sul da Bahia, e o rio São Francisco em suas duas margens, mas, preferencialmente na margem esquerda. Ele também contou com a simpatia e a proteção de coronéis, por conta de suas diferenças com o poder do Estado. As duas obras aqui mencionadas são reveladoras do que há de mais representativo na região dos currais no norte de Minas.
Há várias outros romances que abordam a vida urbana dessa região, porém, nesses casos, os processos mais significativos da configuração regional não participam das tramas. Predominam os conflitos entre gerações, os contrastes entre a vida rural e a vida nas pequenas cidades, com seus preconceitos e eventos políticos locais. É o caso de Maria Clara, de Nazinha Coutinho, Migo, de Darcy Ribeiro, e A menina do sobrado, de Cyro dos Anjos.
(Transcrito do Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras - Vol. 2, do IBGE.)