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Quinta-Feira,26 de Junho

Orçamento participativo ou governança solitária? - por Haroldo Tourinho Filho

Jornal O Norte
Publicado em 17/04/2007 às 11:44.Atualizado em 15/11/2021 às 08:02.

Haroldo Tourinho Filho *



Nascido nos anos de chumbo da ditadura militar, no município de Lajes - SC, esse relativamente novo mecanismo de administração e planejamento democrático busca, junto à interferência mais dinâmica da população, uma melhor alocação dos recursos públicos. A principal riqueza do OP é a democratização da relação do estado com a sociedade.



Essa experiência rompe com a visão tradicional da política, em que o cidadão encerra a sua participação política no ato de votar, e os governantes eleitos podem fazer o que bem entenderem, por meio de políticas tecnocráticas ou populistas e clientelistas. O cidadão deixa de ser um simples coadjuvante da política tradicional para ser protagonista ativo da gestão pública. Segundo o professor Chico Oliveira, essa invenção política configura-se como a criação de um novo direito político, enriquecendo o arsenal de instâncias em que as classes e os grupos sociais intervêm ativamente no governo, não apenas na renovação dos mandatos, mas cotidianamente, sem anular outras instâncias. A intervenção se dá, precisamente, na discussão do orçamento, que é, no estado moderno, a peça-chave da política e da administração.



Tem-se, pois, o surgimento do OP como um poderoso instrumento para a busca de maior eqüidade e igualdade social, política e econômica. Adotado por um número ainda pequeno de administrações governamentais, embora algumas de significativa relevância (São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, dentre outras), a experiência brasileira, reconhecida mundialmente, extrapola nossas fronteiras, tendo alcançado as capitais do Uruguai e do México, sim, a cidade do México, segunda maior metrópole do mundo.



É sabido, no entanto, que todo o dinâmico e criativo processo do OP passa, necessariamente, pela vontade política do executivo. No dizer do cientista político Félix Sanchez, sua efetiva implantação testa profundamente a eficiência, a eficácia e o discurso das administrações que as aplicam. Ainda segundo Sanchez, há um elemento central que intrinsicamente protege o OP de desvios eleitoreiros e demagógicos.



Infere-se daí que um processo de consulta popular sobre o orçamento, não sendo efetivamente deliberativo e, sim, marcado por forte intermediação clientelista, pouco consegue realizar em resposta aos compromissos assumidos durante as consultas. Foi o que sucedeu no Recife, nas gestões de Jarbas Vasconcelos e Roberto Magalhães: menos da metade dos compromissos assumidos foi cumprida. Já em Porto Alegre, 87% das obras e dos serviços indicados pelo OP foram executadas. Não iremos analisar aqui a experiência de implantação do OP em nossa cidade, no primeiro governo Tadeu Leite, uma vez que a mesma não passou de engodo, um arremedo de OP.



Em fórum sobre orçamento participativo realizado pelo PT local em meados de 2005, tivemos a oportunidade de apresentar duas questões atinentes ao tema. A primeira, inquirindo se o OP em Belo Horizonte, a exemplo de São Paulo, fora instituído por lei; a segunda, sobre a conveniência de se criar uma secretaria municipal voltada especialmente para esse fim, como ocorre em alguns municípios brasileiros.



Mesmo reconhecendo a vantagem da promulgação de lei regulamentadora do OP - no sentido de obrigar futuras administrações ao seu cumprimento -, advertiu-nos a ilustre e douta palestrante sobre o possível engessamento que poderia advir se adotada tal medida, dado à natureza essencialmente dinâmica e criativa do OP. Realmente, a advertência procede, embora haja críticas, e não poucas, a essa posição. No entanto, solução intermediária foi encontrada pela administração que em São Paulo sistematizou o processo. Ali, afastado o inevitável detalhamento requerido pela formalidade de uma lei específica (o que talvez pudesse engessar o processo). inseriu-se na lei orgânica em vigência o artigo 143, que diz explicitamente que o município organizará sua administração com base no planejamento permanente, descentralizado e participativo, como forma de democratizar a gestão da cidade, complementando, ainda, em seu inciso 3º, que é assegurada a participação direta dos cidadãos em todas as fases do planejamento.



Entretanto, como já vimos, não basta a lei para incentivar e fundamentar a participação popular e a gestão democrática, pois esta, se será realizada com ou sem participação popular, é uma questão de vontade política do governante.



Quanto à segunda questão por nós levantada quando do citado fórum (a criação de uma secretaria de Orçamento Participativo...), a palestrante viu na iniciativa um como que isolamento de tal secretaria, o que poderia vir a comprometer o sucesso da empreitada de implantação do OP.



Como na primeira questão por nós suscitada, também aqui há o que se pensar. Em qual setor da administração o OP deve ser desenvolvido? Este pode ser planejado e avaliado no gabinete do prefeito ou vice, na secretaria de Governo, na de Finanças, ou



se constitui uma secretaria voltada para essa função específica (elaborar e acompanhar o OP), dizem a respeito os manuais. Assim, como se faz necessária uma instância, um setor da administração voltado para tal mister, parece-nos que a criação de uma simples coordenadoria contornaria o possível problema do isolamento aludido anteriormente. Dessa coordenadoria participariam quadros qualificados de todas as secretarias municipais.



MONTES CLAROS



No transcorrer dos entendimentos político-partidários que antecederam à histórica aliança de esquerda - PT, PCdoB, PSB e PPS - que acabaria por eleger o atual prefeito, firmou-se o compromisso de se implantar o OP no município. Questão de honra, basilar, espinha dorsal da campanha política a ser desenvolvida.



Naturalmente, em virtude da experiência acumulada em nível nacional, caberia ao PT deslanchar o processo. Pareceu-nos ter sido este o entendimento tácito. Assim, o gabinete do vice-prefeito, petista, coordenaria a iniciativa. Vieram a eleição e a vitória.



Corria o ano de 2005 e nada acontecia... Tempo preciosíssimo perdido pela administração. Petistas entusiastas e estudiosos do assunto OP (dentre os quais nos incluímos) acorriam ao gabinete do vice-prefeito, cobrando-lhe uma atitude face à inércia que a todos abatia. Nada...



Hoje, graças ao farto material divulgado pelo O Norte, em capítulos, sob o título O INSTITUTO CULTIVA E A PREFEITURA DE MOC (o instituto foi contratado pela prefeitura para elaborar e desenvolver a filosofia da chamada Governança Solidária, na qual se pretende embutir o OP), podemos nos dar conta do que realmente ocorreu naquele ano de 2005 e seguintes. O e-mail do secretário municipal Vero Franklin, encaminhado ao diretor do referido instituto, Rudá Ricci, e tornado público por O Norte, é elucidativo, cristalino. Lê-se ali, em diagnóstico de rara precisão, a gênese do fosso, cada vez maior, entre o núcleo duro do PPS e as demais agremiações político-partidárias a ele coligadas.



Tenta-se agora, em que pesem as fundamentadas ponderações do diretor do Instituto Cultiva, a implantação do OP no município. Julgamos que os CRs - Conselhos regionais deveriam ter sido formados ainda nos primeiros meses de 2005 para, no segundo semestre daquele ano, deliberarem, dentro de sua esfera de competência, a inclusão das verbas a eles destinadas e outros assuntos afetos, como o uso do solo, a saúde, a educação, transporte coletivo, asfaltamento de ruas etc. Como é sabido, o orçamento é definido em um ano para aplicação no subseqüente, o que nos leva a temer o futuro próximo, tendo em vista a delicada questão da sucessão municipal, cujo processo já foi deflagrado.



Pensamos também que, a exemplo de São Paulo, dever-se-ia inserir na lei orgânica municipal um artigo que assegurasse a participação popular, via OP, nas decisões do executivo. Poderia ser redigido assim, simplesmente: Fica garantida a participação da comunidade, a partir das regiões do município, nas etapas de elaboração, definição e acompanhamento da execução das diretrizes orçamentárias e do orçamento anual.



Diante de tal iniciativa, estaríamos todos resguardados e evitar-se-ia o que disse Machado de Assis em Páginas Recolhidas (p.105): “... Xerxes ordenou que decapitassem a todos os que tinham construído a ponte e não soubessem fazê-la imperecível...



* Analista político

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