Marcelo Braga
Escritor
mqbraga@hotmail.com
Queria pedir que ela não embarcasse.
Mas parecia que precisávamos desse desencontro todo.
Primeiramente, por nos amarmos demais. Como se o amor fosse algo palpável, que se gastasse a cada “eu te amo”, ou a cada abraço interminável, de tirar o fôlego. Há exatamente um mês, ela deixara, escondido, um bilhete em meu bolso. Em letra de forma: “Não consigo parar de pensar em você! Naquele seu abraço forte e aconchegante...”. No mesmo dia em que a pedi em namoro.
É um medo constante. Perder o que se tem de bom… Há tanta gente por aí que perde. E sai maldizendo o amor. Será que o cultivaram erradamente?
Por nos amarmos demais… Todo começo é maravilhoso! Ou quase todo. O nosso foi. E ainda o é. Apesar dos desencontros. Voltando, acho que foram importantes. Ajudaram a fortalecer. E afastaram o temor de ver o amor se esvair pelo sufocamento da repetição. Porque mesmo as mais intensas vontades passam. O segredo é guardar um pouquinho para o dia seguinte!
Mas, realmente, não queria que ela embarcasse. Havia menos de uma semana que eu chegara. E ela me largaria aqui. Num abandono tão lancinante que me fazia crer estar em outra cidade que não a minha.
Aquele relacionamento, por vezes, fazia-me sentir um desnaturado, relegando tudo a um segundo plano. Como se, para viver um amor pleno, não sobrasse coração para ser filho, irmão, amigo. Não adiantaria explicar. Aos apaixonados, minhas palavras seriam melodia, com a qual embalariam seus próprios devaneios. Aos amargurados, soariam como contos de fadas, com a página derradeira arrancada pelas unhas da desilusão.
São apenas dois dias, meu amor!
Era uma racionalidade que eu invejava. Sempre me pareceu bem mais saudável que um coração escancarado e ditador. Afora a sensação de controle e maturidade que exala. O que são dois míseros dias, para quem sonha com uma vida inteira? Nada! O que são dois dias para quem se descobre encarando o amor verdadeiro e sente precisar dele para vencer o mundo? Nada…
Vinha mesmo precisando de um tempo. Para organizar minhas coisas, ajeitar minha vida. Para que nela pudesse caber essa pessoa que traria tanta coisa consigo. Tantos sonhos e silêncios. Tantos sorrisos e esperanças.
Sem falar na pilha de livros por ler, nas mil crônicas que eu estava a dever, na dúzia de relacionamentos que eu deixara por regar. Dois dias não bastariam. Mas que ela nem desconfiasse desse sussurro. Teria de arrumar as coisas mesmo depois que ela voltasse!
A mensagem dela desejando parabéns pelo primeiro mês de namoro chegara antes que eu conseguisse enviar a minha. E tinha muito mais palavras. Era gostoso ver o quanto de mim já havia sido absorvido por ela (a verborragia e a intensidade de um bom ariano).
Eu continuara a brigar com o computador, para não deixá-la esperando muito tempo a resposta. Em vão. Consegui com o celular. Daí, fiquei eu a esperar uma tréplica que não chegou. Ensaiei direitinho um recado para que ela soubesse de mim, mas não precisasse se manifestar: “Recebeu minha mensagem, meu amor? Basta que sorria um pouco, beije de leve as pontas dos dedos, para que eu saiba que sim.”.
Há tempos, confisquei uma foto dela em criança, sentadinha num degrau de casa, dedinho e uma fralda enorme grudados à boca. O que mais resplandece são aquelas íris azuladas e enormes. Há pessoas que deveriam ser proibidas de crescer. Ou obrigadas a despregar-se de si, para que o resto do mundo pudesse contemplar a beleza imaculada e gratuita de uma criança perfeita. Ou, ainda, conceber outra pessoinha exatamente igual, fazendo da vida um eterno recomeço.
Foi essa fotografia que me ensinou a esperar. Sentadinha naquele degrau, a criança esperou. Sabe-se lá o quê! Talvez o clique da máquina. Talvez o sorriso de aprovação do fotógrafo. Talvez uma vida inteira. Para que, enfim, pudesse conhecer a pessoa com a qual se envolveria tão rapidamente e por quem se apaixonaria perdidamente…
Os dois dias se passaram.
Ela voltou.
Do jeito que me abraçou na rodoviária, senti que não haveria mais tanto espaço para nós dois.
Silenciosa, entregou-me uma carta, antes mesmo que entrássemos no carro.
No azul de seus olhos, havia tanta luz, que consegui ler sem precisar violar o envelope. Suplicava por um pouco de mim. Para que a vida voltasse no tempo. E uma outra pequenina, carregando uma fraldinha enorme, pudesse mostrar ao mundo a beleza que há em olhos de firmamento.