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Terça-Feira,23 de Dezembro

Obesidade sim, obesidade não

Jornal O Norte
Publicado em 23/10/2008 às 09:02.Atualizado em 15/11/2021 às 07:47.

Mara Narciso *



Uma vez ouvi um amigo dizer que o obeso, para emagrecer, deveria comer “de tudo, mas não tudo”. Boa! Porque muitos obesos conseguiram tornar-se obesos, justo por colocarem o tudo como prática. Uma questão se impõe: quando consigo parar? Quando acabar a comida?



Comer até passar mal, e no dia seguinte fazer jejum até às 16h, pelo menos, é prática comum. Muitos afirmam que não comer é menos difícil do que comer só um pouquinho, ou seja, não comer nada é melhor do que comer quase nada. O tal comer e coçar estão impressos com fortes tintas no imaginário obeso.



Outra vez me contaram que o obeso deveria trocar massas por frutas e gordura por verdura. Além de rimar, essa afirmativa dá a nítida impressão de que é fácil fazer isso. Passivo diante da TV, boa parte do dia, o obeso fica à mercê da publicidade a mostrar e oferecer manjares irresistíveis, mandando comer, por boa parte da programação. Em contrapartida, surgem as apavorantes ameaças apedrejando a todos: isso pode matar, aquilo engorda, o outro lá causa perda da memória, ou doença degenerativa, ou aumento da gordura ou do açúcar, se não agora, para o ano.



Muitos obesos têm transtorno de comportamento alimentar, e com a vigilância dos parentes e amigos, surge em cena outro personagem: a mentira. O uso do diminutivo torna-se obrigatório para se referir ao alimento ingerível, sejam os já engolidos ou os próximos a tomar o mesmo caminho. Termos próprios às crianças como frutinha, leitinho, pedacinho, são determinantes ao contar o que comeu ou pretende comer.



Discursar no diminutivo, fingindo que está comendo pouco não alivia os ponteiros da balança, embora faça parceria com a culpa, tornando-a menor. Assim, em vez de brigar com a culpa ou a desculpa, em vez de revidar pedras com mentiras, em vez de se torturar com promessas falsas de que amanhã, ou no máximo segunda-feira, comerá menos, tem melhores finais tirar algo da vida e colocar outra coisa no lugar. Se a comida virou uma droga anestésica num dia a dia entediante, ou amargo, ou sem sentido, ou apertado demais com prazos curtos e responsabilidades pesadas, entregar-se a um novo prazer é uma alternativa eficaz.



É bom não desequilibrar o tamborete da vida fechando a boca ou a geladeira, pois que três pontos determinam um plano. Criar na mente e na realidade novos rumos, novas maneiras de ver o mundo e os problemas, mesmo que seja através da ajuda de um terapeuta, se preciso for. Abrir portas, ter outras fontes de prazer e refúgios que não a comida, são possibilidades que se criam com esse pensamento. Quais? Estudar, ensinar, fazer caridade, filantropia, exercitar-se, rezar, fazer arte, música. São tantas as estradas. Cuidar para não trocar um vício por outro.



Ser ingênuo a ponto de crer numa mágica é sinal de que o estado infantilizado levará a desfechos infantis e decepcionantes. Como chegar a melhores resultados sem abandonar tudo pelo caminho? É preciso um motivo para mudar o comportamento em relação à comida e à vida. Cada indivíduo deve ter a sua razão. Um leve querer é pouco para emagrecer e ficar magro. Outra ditadura surge aqui novamente, num sentido inverso ao anteriormente citado: não é de bom tom usar manequim maior do que 40. Muitas marcas não produzem roupas maiores, ou se não as tiram do mercado, reduzem os seus centímetros. Torturar-se em busca do imaginário alheio é certeza de fracasso. Usar metas com números mais próximos e possíveis em quilos é sinal de sair-se vencedor. E não será porque reduziu as expectativas, conformou-se, mas, por estar mais perto, o entusiasmo auxilia na disparada rumo a chegada emocionante, e ao abraço emocionado: de quem correu e de quem estava aguardando - família, amigos e amor.



* Médica montes-clarense, formada pela atual Unimontes há 29 anos. Mara Narciso publicou o livro Segurando a Hiperatividade em 2005, onde conta a história do seu filho Fernando Narciso, portador de TDAH - transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, e diante da repercussão interessante, decidiu aprimorar-se na arte de escrever iniciando-se no curso de Jornalismo. Agora, já cursando o quinto período, nos apresenta um misto da sua experiência de consultório e na comunicação. Atua na endocrinologia, e mesmo buscando outra área, não se distancia da atualização médica, pois acaba de chegar do II Congresso Mineiro de Atualização em Endocrinologia, que aconteceu em Ouro Preto.

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