Alvarez Bragança (*)
Desembarco na Rodoviária do Eixo, centro de Brasília-DF. Uma cidade vazia. Carente de alma, afeto e fraternidade. Essa beleza projetada pelo maior arquiteto da modernidade e erguida pelo mito JK é uma cidade vazia.
Nos pontos de ônibus urbanos (nome do lotação), lixo no teto, caixas de isopor em que os sobreviventes que invadiram indiscriminadamente a metrópole vendem refrigerante, água, cerveja e cachaça. Pacotes de petiscos para os asilados matarem a fome do almoço. Nas saídas da cidade, o visual é pior.
A onda de desvalidos impossibilitados de comprar o seu almoço come petiscos, bebe refrigerante. Não há um PF com dois dedos de prosa com o dono. São seres desprovidos de alma.
O visual da população, na sua maioria mais parece o de uma sub-raça. Filhos e netos de imigrantes nordestinos, que com seus suores construíram essa que é esperada ser a capital do futuro, preconizada por João Bosco.
É a NOVACAP, um misto de goianos, mineiros Uai e cabras do meio-norte. Suas roupas são de péssima qualidade, os cabelos em desalinho, o tênis roto.
Vejo uma onda de seres deprimidos frutos de meio século de vida de uma cidade que não tem uma cultura própria. Nada de folclore. De tradições.
Não há o charme próprio das pessoas, as mulheres não exprimem a sensualidade típica dos trópicos. Peça uma informação a alguém e a mesma lhe será negada com ódio. No ponto do ônibus 617, solicito orientação a oito passageiros que esperam escorados na mureta.
Todos negam conhecer a linha 617 e os seus horários. Após longa espera localizo o coletivo, embarco e para minha surpresa todos os oitos viajam na mesma condução para o ponto final. Todos negaram ajuda e compreensão a um visitante. São moradores da comunidade.
Corações despojados, ou almas defasadas com a vivência opressiva da modernidade e da impunidade. São filhos do medo? Filhos da violência imposta de cima para baixo? Seres sem esperança que vive porque vêem os outros viverem. A metrópole é o palco de uma tragédia de alma vazias.
Quando sento no coletivo me olham de esguelha, desconfiados. Não estão acostumados com a minha presença, naquele horário. As suas faces exprimem desprezo. Imaginam-se superiores e comportam-se como incomodados. Sou um estranho no ninho dessa cidade vazia.A trocadora loira do coletivo, mais parece uma bruxa. Descomposta, mal vestida, cabelos em desalinho. Ignora o meu pedido de confirmação do destino do veículo. Jogo duro no diálogo com ela e ela espirra alegando que perguntei por lotação e aquele é (na sua visão subjetiva) um ônibus. Daí não ter respondido!
Ela representa uma multidão de sobreviventes que trabalham para não morrer de fome. Não recebem treinamento especializado. São violados nos seus direitos, se tornam bichos urbanos.
São seres desprovidos de cultura, de laser, de entretenimento. Filhos da subjetividade subliminar das novelas, dos BBB dos programas de prêmios da TV. São incapazes de uma atitude filosófica ou cultural.
No trajeto até Planaltina e ao longo das avenidas e dos eixos, material de construção exposta à venda pelas empresas informam da ligeireza que se constrói desordenadamente naquela urbe invadida.
Não há um apelo próprio das pessoas que aqui vivem. Mas, sim, os deserdados descompostos e os bens remunerados que passam com o nariz para cima. Apenas o fulvo ou o colorido dos egos pavônicos.
O coletivo como sempre quebra e o motorista manda os passageiros se virarem. Não distribuem passes livres, para compensar o trânsito dos que pagaram para chegar até os seus destinos.
É uma cidade de corações carentes. Uma cidade de medo, de incertezas, de impunidade, de sobrevivência, de subserviência.
Cronista - casoseocasos@yahoo.com.br