Ronaldo Duran
Romancista
ronaldo@ronaldoduran.com
Tarde de sexta-feira. Dia especial, porque ele simplesmente acha que sexta-feira traz um ar especial. Por não trabalhar sábado? Por não precisar levantar cedo? Nem pegar o ônibus nem metrô lotado? Nem carregar marmita pro trampo? Não só. Incluía ficar com a família. Pegar a bicicleta e passear pelo bairro de manhãzinha. Havia diversão com pouco dinheiro, acreditava. Lavaria o carro. Desse fim de semana não escaparia. Esperava que o sol comparecesse, por que tinha planos de passar cera.
O metrô, tranquilo. Um quê de ânimo o motivou a pegar o jornal da pasta. Enquanto o ônibus não chegava, lia-o. Dentro do ônibus também leria. Mas calhou de sentar-se junto de uma beldade. Cansado de considerar mulher beldade, tentou enfiar a cara na leitura. Involuntariamente os olhos escapuliam das letras e quando via estavam nas pernas da garota. Trajando calça jeans, blusinha, tudo na maior decência. “A droga é que é bonita”, pensou ele.
O universo, grande conspirador, desta vez não se intrometeu no fato de ele ter puxado papo e a menina ter aceitado prosear. Mera pirraça do quarentão.
A espontaneidade dela o vexou. Ele que pensava que seria metida, esnobe. Tipo responder friamente e limitar-se à pergunta. Nada. Que sorriso. Que desprendimento. Ele é jornalista. Tem uma centena de assuntos. Pior, é repórter investigativo, qualquer pessoa, por mais tediosa, sentiria prazer em ouvir dramas, tramas, etc. A menina, contudo, encantava de outro modo. Parecia prestar atenção menos na narrativa que na pessoa. A motivação genuína para prosear. Ele, quarentão, cético, esquivo, gostou da acessibilidade.
Tinha comportamento esquivo. Timidez extremada? Boa parte das mulheres bonitas o inquietava, o atraia. Fazia de tudo para fugir. Droga, bastava estar ao lado de uma para não se controlar. Uma tremedeira o bulia a alma. Ficava como garoto de 18 anos, virgem, que espera o primeiro beijo da paquera.
A garota falava. Ele a mirava. Os cabelos alourados. As bochechas rechonchudas. O que mais o cativou foram os olhos dela. Grandes, vivazes, cheio de brilho, como para mostrar que tinha toda uma vida pela frente. Isto o perturbou um pouco, pois já beirando aos quarenta, chegando à idade em que ele próprio classificava como passada. Ela estudava serviço social. Ele cometeu a garfe de confundir com ciências sociais. Ela tão tranqüila lhe clareou a confusão.
A garota podia ser sua filha. Dentro dele ardia a voluptuosa necessidade de beijar aquela boca, passar a mão naquelas coxas, acariciar o rosto. Bravamente lutou para afugentar estas fantasias. Sequer proferia cantada. Tinha horror em ser confundido como babão. Aproveitou o papo até quando desceu do ônibus.