O que somos afinal? - por Wilson Silveira Lopes

Jornal O Norte
25/05/2007 às 10:58.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:05

Wilson Silveira Lopes *

A estória que recebi, por email, da galinha que sozinha plantou o trigo, colheu, limpou e preparou – sem ajuda dos seus amigos, o pato, a vaca, o bode e o porco – o pãozinho nosso de cada dia, e que queria degustá-lo sozinha, e que por isso foi odiada e xingada pelos mesmos amigos, pois todos queriam participar, e que mais triste ficou quando veio o funcionário do governo para dizer que ela era egoísta, e ela, se defendendo, dizia que aquele pão era fruto do suor do seu trabalho, e o funcionário do governo a retrucá-la dizia que aquela era a vantagem da livre empresa e, que assim sendo, os que trabalham mais ou muito devem dividir o que ganham com os que nada produzem, isso tudo aclarou minhas idéias, chamando minha atenção para o conto.  

Essa estória, chamada de fábula moderna, nos dá uma idéia da forma de governo à qual todos nós brasileiros hoje estamos submissos.                          

Em primeiro lugar, em nome da justiça social e da igualdade, o sentimento que soçobra em meu interior, e acho que de todos os brasileiros, é de que todos devemos pagar a conta. Qual a  conta? A do bolsa-escola, do bolsa-família, do bolsa-congresso nacional, do bolsa-artistas do cinema nacional, que recebem recursos financeiros altos e baratos do governo para execução de filmes que nem sempre são vistos pela população; da Petrobras, que financia um tantão de coisas que resultam em quase nada para a mesma população que, em contrapartida, paga altos preços pelo gás de cozinha e combustível dos seus carros, sem pedir em nome da pseudo-democracia quaisquer explicações.

O sentimento angustiante e doloroso que suscita em meu coração e certamente nos  corações de todos nós, é que certamente não sou e não somos donos de nada; que não temos nada!

Como advogado, passei batido, como é dito no refrão popular, quando não percebi (ou não percebemos) a gravidade constitucional pré-existente ora suscitada pelo escrito do João Luiz Mauad sob o título Não somos donos de nada, publicado em 17.05.2007 pelo Mídia Sem Máscara, com referência ao disposto no art. 5°, inciso XXIII da Constituição pátria, quando ele demonstra em seu texto extremamente claro como estamos sujeitos a chuvas e trovoadas durante todo o tempo, apenas para citar o referido dispositivo e o seu comentário a respeito:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

.......

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

No caso brasileiro, o caminho da servidão, de que nos fala Hayek,(*) está bem sedimentado desde que se aprovou, sem maiores objeções, o famigerado inciso XXIII (art. 5º) da Constituição (epígrafe). O pressuposto por trás deste disparate jurídico é que qualquer coisa que você porventura possua, na verdade pertence ao estado, e é sua somente no sentido de que os príncipes eleitos delegam a você certos privilégios em relação a ela, sempre obedecida, é claro, a tal função social, cuja definição depende de critérios absolutamente subjetivos. De acordo com a nossa lei máxima, portanto, o estado é o senhor supremo, o verdadeiro dono de toda propriedade. Nós somos apenas seus arrendatários ou inquilinos.

(*) O escritor Hayek é autor da  obra The road to serfdom, que trata da compulsão do  intervencionismo nos assuntos privados.

E isso tudo sem contar o corolário de ações outras praticadas ou em andamento, que vão aos poucos minando as forças deste povo tão sofrido e espezinhado no seu sonho secular de ver o país mudar para melhor.

* Advogado e funcionário público

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