Neumar Rodrigues *
A função real e simbólica de um pai, de um padre e de Deus é muito semelhante e tem a mesma origem. As três figuras se tornaram importantes em função das limitações da natureza humana, principalmente as relacionadas com a dor, a impotência e a morte. Ainda que muitas vezes nós promovamos a figuras importantes, poderosas e fortes, sabemos que, em sentido amplo, somos insignificantes, fracos e frágeis. Nascemos desprovidos de quase tudo e precisamos da proteção e cuidados da mãe, a princípio, e depois do pai e, na vida adulta, de toda uma organização social.
Ainda que os pais sejam regidos pelos mesmos limites de todos os seres humanos, o bebê e a criança, através da fantasia, emprestam poderes infinitos aos pais para assim se sentirem amados, protegidos e poderem tolerar e superar os medos e inseguranças que o processo de desenvolver-se e viver lhes impõe.
Na língua espanhola, padre quer dizer pai. O significado da palavra padre, em espanhol, é "monge". Ainda que as três figuras - pai, padre e Deus - sejam muito importantes para os seres humanos, cada uma delas se reveste de poderes distintos. A figura do pai tem seu auge de importância na nossa infância, juntamente com a nossa mãe. Como nessa fase do desenvolvimento ainda somos mais limitados do que quando adultos, precisamos muito do auxílio tanto material quanto afetivo de um pai que nos proteja e guarde em todos os nossos medos e inseguranças que o processo de viver nos impõe.
Quando nossas necessidades infantis esbarram nos limites de nosso pai, emprestamos o poder que ele não tem, para que supra essas necessidades. Assim, nossos pais são nossos ídolos, porque nos ajudam a sobreviver diante de todas as dificuldades que a vida nos impõe na infância. Avida adulta nos expõe a outros limites. Vamos aprendendo, com o tempo, que há um espaço, muitas vezes, intransponível entre a fantasia e a realidade.
Dependemos de outras pessoas para sobreviver, e de nossos atos e atitudes depende nossa qualidade de vida. Somos vulneráveis às doenças, à dor, aos acidentes, às intempéries e a todo tipo de contratempo e, desde muito cedo, aprendemos que um dia, mais cedo ou mais tarde, enfrentaremos a barreira intransponível da morte. Freud nos ensinou que a maior angústia do ser humano é angústia da morte e dessa angústia todas as outras se originam.
Talvez o principal mecanismo que temos para enfrentá-la seja a crença em Deus e na imortalidade. É nesse momento que se torna importante a figura do padre - e de outros líderes religiosos. Eles se tornam uma espécie de ponte entre o indivíduo e Deus. Esses líderes também são regidos pelos mesmos limites do pai biológico, mas a função de nos aproximar de Deus os reveste de um significado todo especial, produzindo sentimentos de respeito e muitas vezes admiração.
O grande pai, no entanto, acima de todos os limites humanos, tratado como onipotente e onipresente, é Deus. A crença popular diz que "para Deus tudo é possível". Em alguns automóveis vemos escrito: "Eu não sou Deus, mas sou filho Dele". Sendo assim, a distância entre a fantasia e a Realidade desaparece para quem crê, pois, se Deus pode tudo, eu, como filho Dele, também sou poderoso. Aí está a grande função da crença em um Deus, uma vez que nos torna fortes o suficiente para enfrentarmos todos os percalços e limites da natureza humana, principalmente os relacionados com a morte.
* Jornalista