Iran Rego *
Era sábado, manhã limpa, com o sol brilhando alegre após uma noite de chuva fina e persistente. Fui à casa do grande artista das cores e formas, Dr. Konstantin, colega que, recém formado, acompanhei nas lides médicas.
Fui ver um quadro do Cristo que ele pintou e que adquiri há muitos anos e que agora necessita de uma restauração. Como o próprio autor é um dos admiradores dessa minha tela, onde retrata o sofrimento do nosso Grande Mestre, nada melhor que o artista restaure a própria obra.
Convidado que fui para o seu atelier e recebido com um copo de guaraná bem gelado, encontrei o colega-artista eufórico com a sua próxima jornada nos pincéis e tinta : a pintura dos Oito Pecados Capitais.
- Espere aí Konsta, os Pecados Capitais são sete, disse eu recordando as minhas lições de catecismo com a irmã Marilda.
- Eu sei , responde o grande pintor, mas eu inventei mais um, a Omissão !
Daí passou, com alegria infantil, a me explicar cada quadro representando os Pecados Capitais. Com brilho nos olhos, como houvesse descoberto o maior dos tesouros, falou-me: serei o representante de cada pecado; serão auto-retratos onde eu representarei cada pecado. Na Vaidade colocarei eu mesmo vestido de general, cheio de condecorações e estrelas , peito estufado e queixo levantado... na Luxúria estarei cercados de mulheres nos devaneios da sensualidade... e assim por diante.
Fui para casa imaginando, eu que me considero religioso, espiritista, ligado às coisas do pensamento eclesiástico, como pode um ateu, como se diz o Dr. Konstantin fazer com tanto acerto, a lembrança de mais um pecado capital? Como nenhum teólogo, filósofo, religioso ou beato não colocou com tanta importância na Omissão, como o “ateu” Konstantin, com tanta inspiração colocou?
Na verdade fiquei num estado de êxtase ao perceber como podemos omitir fato tão atual como a omissão dentre os Pecados Capitais!
Só mesmo uma mente irrequieta como a do Dr. Kontantin Cristoff para perceber tão importante situação.
O que vivemos na sociedade hoje? Que estamos nós fazendo da nossa vida no dia a dia? Será que a toda hora não estamos cometendo este pecado tão presente e tão freqüente?
Dos sete, acho que este “oitavo” é hoje o mais importante.
Cheguei em casa satisfeito mas extremamente curioso: “Konsta” não me explicou como será esta tela. Fiquei imaginando: Será uma tela toda branca, sem nada que reporte à nossa atuação, ou toda em preto para mostrar nosso estado d´alma pecaminosa pela omissão.
* Médico cardiologista, amigo de Konsta, o grande artista do mundo, que não é ateu coisa nenhuma!
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