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Segunda-Feira,22 de Dezembro

O implacável senhor das horas

Cláudia Gabriel

Jornal O Norte
Publicado em 22/10/2013 às 08:35.Atualizado em 15/11/2021 às 17:13.

Por Cláudia Gabriel

Dia desses, estava eu folheando minha agenda pra fazer uma anotação qualquer. Tudo no piloto automático, mecanicamente, até que precisei parar porque levei um susto: o ano já está quase na metade! De novo! Gente, cadê os meses que eu não vi passar? Onde foram meus minutos tão preciosos? O que eu estava fazendo tão distraída? E assim, bem no meio da manhã, na correria da rotina, essas perguntas surgiram, sorrateiras, pra me atormentar.

O tempo, esse senhor autoritário, quis me surpreender! E junto com ele trouxe a saudade. Saudade da época em que um ano era UM ANO e demorava a passar... Dava tempo de viver tudo e ainda sobrava.  Horas compridas pra ver um amigo, pra conversar com a família em volta da mesa, enquanto o bolo de chocolate e os biscoitos assavam, tempo do café com prosa. Horas que passavam com preguiça. Afinal, a gente tinha todo o tempo do mundo pela frente. E eu, ingênua, torcia pra que tudo corresse porque precisava experimentar cada novidade que a vida tivesse pra me oferecer. Mal sabia que não teria qualquer controle sobre isso e muito menos sobre o que viria depois.

Era o tempo das palavras bordadas da caligrafia, dos calendários coloridos, das folhinhas que iam tendo as páginas arrancadas poeticamente. As horas dos relógios antigos que hoje, com suas badaladas solenes, parecem vindos de um lugar que ninguém mais reconhece. O meu avô deixou um desses pra que eu nunca me esquecesse de que ele não para e não perdoa.

O tempo tecnológico dispensa ponteiros. É o tempo sem tempo que pulsa nas agendas eletrônicas, no mundo que é todo digital, que tem pressa nas lojas de delivery, no macarrão que fica pronto em três minutos, nas máquinas que entregam tudo em série. Mas, se elas já fazem o papel de gente, por que continuar sob pressão, marcando os segundos da vida? O problema é que, ironicamente, aprendemos o passo acelerado. E nos irritamos se o elevador está no décimo andar e a gente no primeiro ou se o computador, no seu tempo virtual, demora alguns minutos pra se conectar.   

Hoje, pula-se de um 31 de dezembro ao outro. Como diz uma amiga, especialista nos sofrimentos da alma: o Coelhinho da Páscoa tromba com o Papai Noel! E foi pensando nele que alguém teve a ideia. Já não desmonta mais a árvore de Natal. Apenas inventou uma capa pra ela e assim, quando o velhinho chegar de novo, ninguém será surpreendido. Eu? Não quero mais que o fim do ano venha logo. Renuncio aos presentes que ele vai trazer porque, se chega rapidamente, envelheço no mesmo ritmo.

Se eu puder pedir um presente muito especial, não será uma agenda eletrônica pra substituir a minha de papel. É nela que eu escrevo (não digito) cada letra pra ter apenas a impressão de que domino essa velocidade. É, sim, uma resistência ao tempo. E é pra ele, o senhor cruel, que eu adoraria pedir numa embalagem com um lindo laço de fita: lá dentro, bem guardadas, algumas horinhas a mais por dia pra que a gente tivesse tempo de ser feliz.

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