O frentista - por Ronaldo Duran

Jornal O Norte
Publicado em 18/11/2008 às 10:15.Atualizado em 15/11/2021 às 07:50.

Ronaldo Duran


Escritor, autor de romances


ronaldo@ronaldoduran.com



Sábado é dia de correria. Já pelas oito horas faltava espaço para a fila de carros para lavagem. Ao contrário dos outros dias, nesse dia a fila se divide. A primeira para o local com cobertura, no qual se lava carros no dia de movimento normal. A segunda destina-se ao local improvisado. Em geral, a agitação cede um pouco na hora do almoço.



Seis meses atrás eu estava lá. Ficava ensopado. É praticamente impossível não se molhar mexendo com água e sabão. Os mais experientes, molham-se, mas não tão quanto os novatos. A roupa secava no corpo. O posto de gasolina nos dava o macacão para trabalhar. Sorte. Já pensou sair do serviço pingando água. Quanto mais eu que corria para a escola, com a aula às 19h. Éramos três lavadores. Durante a semana, se alguém faltava, dava-se um jeito. Mas no sábado, a ausência de um atrapalhava todo o serviço.



Como sou de uma família na qual ninguém tem carro, eu curtia entrar nos veículos. A rotina era lavar com água e sabão, depois enxugar. Logo em seguida, aspirar, retirando os tapetes, reclinando bancos, erguendo porta-malas. Limpar e passar produto para proteger o painel. Aplicar o pretinho nas rodas. Num carro levávamos em torno de 40 minutos.



Não é um emprego de se morrer de paixão, mas tinha suas horas de descontração. Por exemplo, prosear com o dono do carro, ou com familiares, nos dias de pouca correria. Não sei se por estar no terceiro colegial, ou sei lá o que, a função é que me incomodava. Transferir minha atenção para o frentista. Na realidade quando procurei um posto de gasolina era para ser frentista. Logo me aceitaram, mas disseram que não estavam precisando de frentista no momento e que, além disso, eu precisava ter experiência. Pensei: trabalhando como lavador teria a oportunidade de ver como se faz para ser um frentista, e quando surgisse a vaga pediria uma chance.



Queria ser frentista porque teria menos chefes. No setor de lavagem, todos queriam ser chefes, queriam dizer como lavar bem. Já como frentista, o serviço era mais objetivo: você deve encher o tanque, calibrar os pneus, trocar o óleo, e pronto. Sobrava pouco espaço para os puxa-sacos subir no conceito do chefe oficial fazendo a caveira dos colegas de trabalho. Enfim, almejei melhores condições de trabalho. Mas passado meses, entrava frentista sai frentista e nada de eu ter uma chance. Temia perder o emprego, afinal todos precisamos comer. Tantos entrando e saindo do emprego e eu lá desde quase a inauguração da unidade, e nada de ter uma oportunidade. Confesso, fiquei chateado. Por isso insisti um bocado, passando-me por chato, ao ponto de ficar mal comigo.



Passeava pelo centro de Marília. Estava com minha namorada. Dois dias que eu não reclamava do serviço. Havia aprendido que é bom dar valor à minha gata quando estivéssemos juntos. De repente vejo um cartaz no posto da BR. Precisava de frentista. Fomos até o gerente, que nos atendeu sorrindo. Falei que me interessava. Perguntou se eu estudava. Acenei afirmativamente. A vaga era minha por enquanto.  Eu ficaria com ela se provasse ser capaz. Minhas pernas bambas, sorte que meu amor me segurou. Na segunda-feira seguinte comecei. Aqui estou quase seis meses. O que é do homem o bicho não come. E se temos firmeza no que queremos, um dia tropeçamos na oportunidade, a pegamos e levamos para casa.

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