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Quarta-Feira,15 de Janeiro

O fim da televisão como a conhecemos

Jornal O Norte
Publicado em 15/03/2006 às 11:29.Atualizado em 15/11/2021 às 08:30.

Antônio Brasil *



Prever o futuro é sempre muito difícil. Quase impossível. Mas, apesar dos erros do passado, jamais deixamos de tentar. Entre o presente analógico e o futuro digital, cabe refletir se a “televisão como a conhecemos” ainda vai existir nos próximos anos. Talvez estejamos comprando uma “máquina de escrever digital” em plena era dos computadores. O fim da televisão parece ser inevitável. Alguns defensores mais radicais das novas tecnologias já escrevem o seu obituário.



Pode ser precipitado anunciar a morte do nosso principal meio de comunicação. Assim como o rádio no passado, a TV enfrenta sérios problemas de identidade e poderosos competidores. Deve se transformar em algo completamente diferente nos próximos anos. Mas como será e quem vai assistir a essa televisão do futuro?



Para tentar responder a essas questões, a IBM, com o apoio da prestigiada revista britânica The Economist, divulgou um estudo sobre o futuro da TV com título sugestivo: The End of TV as we know it: a future industry perspective, O Fim da Televisão como a conhecemos: uma perspectiva do futuro da indústria.



Todos os interessados no debate sobre a TV digital brasileira deveriam ler esse longo e detalhado estudo. Se não for nada, para evitar gastar bilhões para embarcar em uma “canoa furada” que pode desaparecer em breve. 



O cenário do futuro da televisão descrito pelo estudo da IBM é o ano 2012. A pesquisa entrevistou centenas de usuários de mídia nos EUA, Europa e Ásia. Por motivos óbvios, ignorou a África e a América Latina. 



ALTA DEFINIÇÃO GARANTE ALIENAÇÃO



Segundo os dados obtidos, a evolução do futuro próximo da televisão passa por duas vertentes distintas: a disponibilidade de canais e o grau de envolvimento do telespectador com a mídia.



- Como qualquer droga poderosa, a TV vicia, aliena e emburrece. Mas também alivia as tensões



Nessa última, são identificados dois grupos de telespectadores: os passivos massivos, aqueles telespectadores que fazem questão de “vegetar” horas a fio na frente da telinha. Nos EUA são chamados de Couch Potatoes ou Batatas de Sofá. Assistem a qualquer coisa. Para eles, a televisão serve somente para escapar da realidade. Como qualquer droga poderosa, a TV vicia, aliena e emburrece. Mas também alivia as tensões.



Uma televisão digital que privilegia as imagens em alta definição é essencial para esse publico. As imagens de cinema aprofundam ainda mais a experiência de alienação ou imersão total pela televisão. Para esse público, a qualidade e a diversidade do conteúdo da programação são indiferentes. Tanto faz. É o tal telespectador padrão do JN, o Homer Simpson, por exemplo. Eles são escravos do vício e assistem a qualquer coisa. Não é à toa que essa é a prioridade dos radiodifusores brasileiros: alta definição garante ainda mais alienação!



Do outro lado, estão os “espectadores ativos”. Mais críticos e exigentes em relação ao conteúdo da programação, eles querem interagir e controlar a experiência televisiva. Por enquanto, ainda assistem à televisão. Mas estão sendo rapidamente seduzidos pelos novos recursos da internet.  



No Reino Unido, o site de pesquisa Google também confirma essa tendência. Segundo dados divulgados nesta semana, os britânicos já passam mais tempo na internet do que vendo televisão. Em média, 164 minutos por dia em frente ao computador ou 41 dias inteiros por ano. Em contrapartida, eles vêem televisão durante apenas 148 minutos. As maiores razões para o crescimento são o aumento do uso de computadores no trabalho e a adoção de conexões de banda larga em computadores domésticos cada vez mais poderosos.





CONSUMIDORES DE MÍDIA



Ainda segundo o estudo da IBM, dentro do grupo de espectadores ativos, a pesquisa identificou dois subgrupos: os gadgetiers (aqueles que adoram as novidades tecnológicas) e os kool kids (jovens mais interessados em novas modas e tendências).



Esses dois últimos subgrupos incluem o segmento mais importante para o futuro da televisão: os jovens entre 18 e 24 anos. Eles serão os principais consumidores de mídia, os líderes e os formadores de opinião do futuro. Aquela garotada com grande poder aquisitivo, alto grau de instrução e sofisticados conhecimentos na área de informática. Um segmento fundamental que já despreza a TV na forma que conhecemos hoje.



Esses jovens consideram assistir televisão, um programa de velho. Passam mais tempo na internet, selecionam as notícias de interesse pessoal na rede e preferem interagir com videogames cada vez mais sofisticados. É exatamente esse grupo que vai decidir o futuro da TV. Porém, o poder do grande público passivo não pode, nem deve ser ignorado ou subestimado.



Para a pesquisa da IBM, o telespectador – ativo ou passivo - é essencialmente um consumidor de mídia. Como boa empresa capitalista em país de economia avançada, não há preocupação com a função educadora ou manipuladora da televisão. Nesses países, as pessoas têm alternativas para obter informações, educação e entretenimento. É nesse cenário que a IBM prevê o começo do fim da televisão da forma que conhecemos.



DICAS PRECIOSAS



Mas os pesquisadores também indicam que o futuro ainda pode reservar boas oportunidades para os executivos e produtores de televisão. Para isso, eles precisam reconhecer e avaliar essas tendências e começar a agir rápido. Não há tempo a perder.



O estudo da IBM procura fazer seis recomendações fundamentais para enfrentarmos o futuro dessa televisão que ainda não conhecemos.



Segmente. Invista em estratégias diferenciadas e específicas para os dois grupos de audiência do futuro (os passivos e ativos).



Inove. Crie novos modelos de negócios e pacotes de preços que ofereçam alternativas para os novos consumidores de mídia. É melhor enfrentar riscos hoje do que arriscar comprometer ainda mais o futuro. 



Experimente. Desenvolva, tente, refine e jogue com o futuro (roll-out). Conduza experimentos de mercado sozinho ou com parceiros para descobrir as preferências “reais” dos consumidores de mídia do futuro.



Mobilize. Crie conteúdo móvel que ultrapasse os limites das mídias e que ofereça aos consumidores uma experiência televisiva mais dinâmica. Garanta acesso fácil e sincronizado a outras mídias e aos novos equipamentos interativos disponíveis. Mas não deixe de levar em conta a possibilidade de “não intervenção” por parte dos telespectadores passivos. 



Abra. Direcione as plataformas com acesso livre a conteúdos para que elas se renovem. Flexibilize os modelos de negócios para gerar novas fontes de recursos para as redes de TV.



Reorganize. Avalie o atual modelo de negócios em relação às necessidades do futuro. Identifique as suas principais prioridades ou “competências” de tal forma que elas possam aumentar a sua competitividade no futuro. Identifique os setores não essenciais que possam ser terceirizados ou que possam se tornar “parcerias”.



É evidente que a pesquisa da IBM procura alertar os executivos e produtores de TV para as ameaças do futuro. O principal foco da pesquisa é a gestão dos negócios. A cada dia torna-se ainda mais evidente que os tempos de vacas gordas, enormes verbas publicitárias e com altíssimos índices de audiência desaparecem na televisão que ainda não conhecemos. Não há como evitar ou desprezar essa tendência. A nova televisão exige um novo modelo de negócios.



TV DINOSÁURICA VERSUS IPTV



Ainda não estão convencidos do fim da televisão como a conhecemos? George Gilder, um dos principais orientadores da atual política de telecomunicações americana, também prevê o fim da televisão. “A TV, como nós a conhecemos, é fruto de um limite técnico em superação. No mundo da TV, o meio utilizado para a transmissão é o das ondas de rádio. Um meio escasso ou, como dizem os especialistas, com uma banda estreita... Este cenário se desfaz rapidamente.”



- A TV deve acabar nos primeiros seis meses. Em breve as pessoas vão se cansar de ficar olhando para uma caixa de madeira todas as noites - Darryl Zanuck, executivo da 20th Century Fox, Hollywood, 1946



Indústrias como as de televisão e o cinema podem não sobreviver a 2030. Os principais conglomerados da área das comunicações já começam a preparar a migração para um mundo centrado no uso extensivo dos microcomputadores.



Segundo essas avaliações, a televisão da era “dinossáurica” se transforma em um veículo menor, mais ágil e muito mais diversificado. A TV na internet ou IPTV (Internet Protocol TV) já conta com 1.3 milhões de assinantes nos EUA. As previsões indicam um crescimento para mais de 38 milhões de assinantes em 2010. A cada dia, mais e mais americanos tomam conhecimento das promessas da IPTV. A Harris Interactive divulgou uma pesquisa detalhada sobre o desenvolvimento da TV na internet. Hoje, 56% dos americanos já ouviram falar da IPTV e mais de um quarto desse grupo estão interessados nesse tipo de TV.



MAIS PESQUISAS “BRASILEIRAS”



De qualquer maneira, prever o futuro continua sendo uma tarefa arriscada. Há muitas variáveis e possibilidades de erros. Mas ignorar as tendências é muito mais perigoso.



Em outros tempos, os poderosos executivos do cinema como o David Zanuck da 20th Century Fox também subestimaram o poder e as ameaças de um novo meio de comunicação, a televisão.



- As universidades brasileiras deveriam abandonar os preconceitos e tomar a dianteira nas pesquisas sobre o futuro da televisão brasileira



Para evitar surpresas e caras desagradáveis deveríamos investir menos em promessas vazias e mais em pesquisas sérias feita aqui mesmo no Brasil. Nem todos os estudos sobre televisão deveriam se restringir a avaliar as alternativas tecnológicas, condenar os malefícios do meio ou aferir índices de audiência. Essa parte é fácil.



As universidades brasileiras deveriam abandonar os preconceitos e tomar a dianteira nas pesquisas sobre o futuro da televisão brasileira. Deveriam ser os principais vetores da renovação dos meios de comunicação e da sociedade. O objetivo seria apresentar alternativas mais criativas para um futuro possível.



Mas em meio a uma cultura que venera os “espelhinhos” tecnológicos estrangeiros, despreza o planejamento e estimula a improvisação, preferimos acreditar nas boas intenções dos radiodifusores brasileiros, ministros ambiciosos ou a inspiração divina de lideres messiânicos.



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